A procissão

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Eram quatro amigos, todos estavam na mesma rua deserta no meio da madrugada, mas foi só Adriano quem viu a procissão.

Nem Tomé, nem Carlos, nem Marita perceberam o motivo da perturbação do amigo, que parou, de repente, com os olhos arregalados na direção do fim da rua. Bem ali, na curva, ele viu surgir um estranho grupo de mulheres.

Elas vinham em passos lentos, com as cabeças cobertas por véus negros e círios acesos nas mãos. No entanto, ao contrário de uma procissão normal, não havia nenhum santo à frente do grupo. Nenhuma delas rezava ou carregava um terço. Simplesmente vinham descendo a rua, em silêncio absoluto, sem olhar para os lados ou desviar de seu caminho.

Ali, havia mulheres de todas as idades. Desde as muito idosas até meninas. Algumas eram mesmo extraordinariamente bonitas, com a pele cintilante sob a luz fraca da lua. Mas todas exibiam a mesma expressão oca, o mesmo rosto impassível, embora não desprovido de um toque de maldade.

Sim, porque o conjunto não despertava ternura ou compaixão, mas medo. Alguma coisa absolutamente ameaçadora emanava ali. Adriano sentiu um arrepio desagradável. Mas ainda não estava realmente assustado. Ainda não tinha percebido que só ele conseguia ver a horrível procissão.

- Céus, o que será aquilo? - perguntou ele em voz alta, crente que todos viam a mesma coisa.

Ninguém entendeu coisa nenhuma.

- Aquilo o quê? - perguntaram os amigos, olhando na mesma direção de Adriano, e vendo apenas a rua deserta.

Mas o menino mal conseguia falar. A lenta aproximação das mulheres o apavorava. Quanto mais elas chegavam perto, mais ele percebia detalhes que teria preferido ignorar. Agora, tinha certeza de que não se tratava de uma procissão comum. E também de que aquelas mulheres não estavam exatamente vivas. Não sabia exatamente o que era aquilo. Mas não eram pessoas de carne e osso.

Ficou ali, totalmente estatelado, quando o cortejo passava diante dele. De nada adiantaram os chamados dos amigos. Ele não conseguia falar nem explicar coisa alguma. Parecia hipnotizado.

Aos poucos, começou a distinguir alguns rostos conhecidos. Dona Dedé, uma mulher mal-humoradíssima que trabalhava no mercado. Mas também Altamira, a avó de uma amiga que havia morrido uns cinco anos antes. E Viviane, uma menina que tinha se mudado para uma cidade vizinha fazia tempo.

Aquilo não fazia o menor sentido!

Mas sua surpresa foi completa quando percebeu, já entre as últimas fileiras, a avó e a mãe de Marita. Pior, a própria Marita estava ali, com a expressão tão vazia e cruel quanto a das outras.

Não parecia a sua amiga, sempre tão sorridente e meiga. A Marita que desfilava sob o véu negro era evidentemente um ser maligno, embora parecesse tão etérea e flutuante no meio da procissão.

A Marita fantasma (pois àquela altura, ele não tinha explicação melhor para o fato), passou por Adriano e por si mesma, sem se dar o trabalho de desviar o olhar.

Completamente atordoado, o menino olhou para o lado. Ali estava Marita, em carne e osso, evidentemente preocupada com o nervosismo dele.

Voltou a olhar para a procissão. Ali estava Marita, feito um zumbi.

Mas as surpresas ainda não tinham terminado.

Na última fileira da procissão, duas mulheres seguravam pelas mãos o único menino do grupo, que as acompanhava sem demonstrar surpresa ou medo. Não demonstrava nada. Tinha a fisionomia tão apática quanto a das mulheres. A única coisa que chamava atenção em seu jeito era o modo de levar a mão ao pescoço a todo momento.

Sete ossos e uma maldiçãoWhere stories live. Discover now