O elevador

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  O prédio era bem antigo. Oito andares. À época da construção, foi considerado um dos mais luxuosos da cidade. Em 1930, nenhum edifício tinha oito andares, porque ninguém queria subir tanta escada, e elevador custava muito caro. Além disso, as pessoas tinham medo de subir tão alto naquela caixa de madeira — que, ainda por cima, nos primeiros tempos, vivia enguiçando. Por isso, além de elevador, o prédio também possuía um ascensorista, que trabalhava uniformizado, vestido como se fosse um general em dia de festa.

  Isso tudo meu pai me explicou assim que entramos na lata velha, que subiu rangendo os sete andares que nos levariam ao nosso novo apartamento. Novo é modo de dizer. Estava caindo de podre. Desde que ficara desempregado, meu pai morava mal. Cada casa dele durava pouco tempo, porque logo era despejado por falta de pagamento do aluguel. Ali, não ia ser diferente. Ainda bem. De todos os lugares esquisitos em que ele tinha se enfiado, aquele ali era disparado o pior.

  Não era só por causa do cheiro — um cheiro de mofo e poeira. Nem por causa das lâmpadas fracas dos corredores. Nem por causa dos muitos apartamentos vazios. Mas a combinação de tudo isso dava ao prédio um ar meio lúgubre.

  Logo na primeira noite, fui despertado por um barulho terrível. Parecia que uma máquina muito velha tinha sido posta em movimento. A coisa rangia, trincava, estalava. De repente, um ruído forte de pancada e o silêncio voltou. Mas foi por pouco tempo. Uns vinte minutos depois, a barulheira recomeçou.

  Só podia ser o elevador. E pilotado por algum vizinho bêbado ou maluco, porque a coisa não parava. Subia, descia, bufava, estalava. Dava uns minutos de pausa e começava tudo de novo.

  Não dava para dormir daquele jeito. E foi me dando um mau humor. Um mau humor que só crescia. Quando isso acontece, eu esqueço tudo: prudência, cuidado, educação. A raiva sobe até a minha cabeça como um elevador de última geração: direto, sem paradas e sem interrupções.

  Por isso, pulei da cama e fui direto para o corredor mal iluminado. O elevador estava parado no meu andar. Vazio, quietinho e silencioso. Xinguei meia dúzia de palavrões e voltei para a cama.

  Mal senti o lençol cobrir meus ombros e o barulho recomeçou. Desta vez, movido por uma raiva mais racional, abri a porta bem devagar e espiei pela fresta. O elevador continuava lá, no meu andar, tão parado quanto antes. Parecia que estava me provocando.

  Quando o dia amanheceu, eu era só nervos. Nenhuma capacidade de raciocínio, nenhuma idéia brilhante, nenhum sono. Só uma irritação medonha. Resolvi fazer uma inspeção mais cuidadosa no prédio. Vistoriei todos os corredores, o que tinha sido a recepção — e agora não passava de um hall abandonado —, as entradas de serviço, o compartimento da lixeira. Não havia nada que pudesse fazer um barulho daqueles durante a noite.

  Já estava quase desistindo quando vi um homenzinho entrar no prédio. Muito velho, encurvado e malvestido, não deu pela minha presença e dirigiu-se diretamente ao pequeno pátio que ficava atrás do prédio. Ia andando e resmungando, como fazem as pessoas já meio sem juízo. Resolvi segui-lo.

  Vi quando abriu uma portinhola ao lado da lixeira — cuja existência eu não tinha percebido — e tirou dali uma vassoura, um esfregão, um balde e alguns panos sujos. Droga. Era só o faxineiro. Pelo estado dos corredores e da escada, sempre imundos e encardidos, eu nunca imaginaria que o prédio tivesse um.

  A falta de sono estava me deixando tonto. Achei que era melhor deixar minhas investigações para mais tarde e fui para casa tentar dormir.

  Já era quase noite quando acordei. Meu pai chegava de mais um dia sem trabalho e sem vontade de conversar. Me deu cinco reais e pediu para que eu fosse ao mercado comprar dois pacotes de sopa instantânea e uns pães. Seria nosso jantar.

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⏰ Last updated: Mar 31, 2019 ⏰

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Sete ossos e uma maldiçãoWhere stories live. Discover now