1º Capítulo

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Capítulo 1 – O dia em que te conheci

Meus sentidos começavam lentamente a voltarem ao normal. Meus pés se mexiam com lentidão, e minha cabeça parecia pesar uma tonelada. Mas eu tinha consciência de que estava no porta malas de um carro bem grande. E que seguíamos por uma estrada sinuosa, porque eu sentia cada uma das viradas do carro nas suas diversas curvas.

Tentei em vão contar as curvas, mas me perdia toda vez que passava da décima. No momento em que iniciei a minha quinta tentativa, o carro parou bruscamente e eu prendi minha respiração para o que estava por vir.

A luz externa invadiu meus olhos de maneira abrupta e o mesmo par de braços me colocou pra fora da onde estava. Eu não me mantive em pé e ele teve que me segurar de frente a duas pessoas que me olhavam triunfante: Juce e sua mãe.

Ela estava com rosto estranho, mais envelhecido e sua silhueta tinha aumentado consideravelmente. Sua mãe era a mesma que conheci: uma mulher fria e distante. Não esboçava qualquer sorriso. E suas feições sempre eram duras e suas palavras diretas. Me perguntava como Juce cresceu sob o olhar nada fraternal daquela mulher. Bem, eu estava prestes as descobrir que ela tinha se tornado uma cópia mal feita da própria mãe.

Ela me bateu no rosto com muita força. Depois foi puxada para trás pela sua mãe que gritava com ela para se acalmar. Tudo que se seguia a minha frente era confuso e lento. Minha mente ainda lutava contra o torpor do remédio. Só ouvi as palavras cortantes da sua mãe enquanto minhas mãos eram puxadas e amarradas por trás:

- Você vai morrer hoje Marina. Sabe onde estamos? – ela movimentou minha cabeça violentamente segurando meu queixo – naquela rua onde seus clientes trazem seus inimigos e os largam mortos pela calçada. Sim – ela viu o desespero nos meus olhos – estamos naquela rua em que as pessoas são trazidas para morrer e ninguém faz nada.

Eu tive uma descarga de adrenalina no momento que percebi a verdade nas palavras dela. Eu estava na região mais remota da Cidade, que mesmo que fosse um bairro em que pessoas moravam, havia uma rua em que pessoas eram mortas a luz do dia e ninguém fazia absolutamente nada. De autoridades policiais aos moradores. Porque, segundo me informaram, as pessoas que ali eram levadas se tratavam de traidores, devedores e X noves. Enfim, para a comunidade do crime, deviam apenas morrer.

Fui empurrada e tive que forçar meus pés a suportarem meu peso. Segui andando e o cenário que se mostrou foi apavorante: na rua que se aproximava a dez metros de mim, dois corpos já jaziam no chão.

Juce, sua mãe e o cara que empunhava a arma seguiam atrás de mim. Eu estanquei quando vi a maneira com que o primeiro foi morto: sua cabeça tinha sido separada do seu corpo em uma forma bárbara de decapitação. O outro, mais adiante, parecia ter sido alvo de um simples projétil mesmo. A mãe de Juce acenou para o homem e ele me fez ajoelhar ao lado do primeiro cadáver. Eu evitei olhar nos olhos da vítima e me concentrei em olhar para Juce. Ela desviou o olhar de mim e sua mãe entrou no meu campo de visão:

- Quero ver esse seu rosto arrogante fraquejar diante da morte – ela falava alto demais como se tivesse uma plateia para ouvir – eu vou mata-la com um tiro na cabeça para que você nunca mais acorde desse pesadelo. Você acabou com a vida da minha filha, sua vadia, seduziu a idiota e enganou-a para que ela acreditasse que você a amava. Eu vou fazer você pagar por isso!

E empunhou a arma na minha direção. Eu estava de saia e meus joelhos ardiam com o atrito do chão irregular da rua, mas a dor era suportável e me ajudava a me manter em alerta. Eu enfrentei o olhar da mulher a minha frente e não sei como, minha postura se mantinha ereta e meu rosto erguido, mesmo diante de sua fúria:

- Eu não fiz nada disso e a Senhora sabe bem o que aconteceu. A capacidade de não absorver bem as coisas nunca foi um atributo seu, apenas da idiota da Juce – eu disse e logo recebi uma coronhada na face – eu não tenho medo de morrer – eu cuspi as palavras e o sangue na minha boca.

O fato é que eu estava apavorada em morrer abandonada naquela rua e sabendo que notícias concretas não chegariam até minha família. Mas eu me acostumei a enfrentar a vida e com a mesma atitude eu me ergui nos joelhos e enfrentei a minha carrasca.

Ela sorriu maquiavélica e empunhou a arma na minha direção. Eu desviei meu olhar para o céu, e sem saber como, iniciei uma oração para que a minha família ficasse bem. E só depois de encarar a mãe de Juce e uma última vez essa também, eu abaixei minha cabeça e aguardei silenciosamente o tiro que viria.

Mas ele não veio.

Passos se aproximaram por trás da onde eu estava e seguiam na nossa direção. Uma voz cortante, de alguém bem seguro, invadiu o ar:

- Largue a arma.

Ele não pedia, estranhamente a corrente elétrica que emanava do seu timbre embutia comando. Ele parecia ser grande e forte, mas eu não fazia ideia porque não conseguia me mover. Estava paralisada de medo.

Observei quando a mãe de Juce olhou para o homem que a acompanhava e ele apavorado fez sinal para que ela abaixasse a arma. O dono da voz de comando, parou ao meu lado e eu notei seu enorme porte físico: magro, porém bem forte e definido. Seu corpo todo era feito de músculos e estava todo de preto. Ele vestia jeans e camiseta. Cabeça raspada. Cicatrizes na lateral dos braços enquanto o rosto era particularmente imaculado. Liso e de queixo bem protuberante. Ele era assustador. Os homens que estavam ao seu lado, pareciam cópias suas, mesmo que mais magros. E todos, todos, seguravam armas enormes, maiores que a extensão de seus braços. A mãe de Juce, tentou recobrar seu habitual controle nas situações:

- Ora, ora! Se aqui não é a rua que não se questiona a morte? Tenho aqui uma traidora da pior espécie e preciso matá-la antes que a luz do dia termine – ela disse tentando parecer confiante, mas eu percebi quando sua voz fraquejou ao mirar os olhos no homem poderoso ao meu lado – tenho uma recepção de convidados ilustres na minha casa mais tarde.

Somente alguém frio terminaria uma frase assim. O cara não a respondeu. Circulou em volta do meu corpo e se abaixou na minha direção. Ele olhou profundamente nos meus olhos e eu pude perceber que o seus eram do mais profundo castanho. Os meus eram claros, como uma folha seca. Eu fiz o meu melhor para sustentar seu olhar e ele observou cada parte do meu corpo com curiosidade. E sorriu ao ver meu broche da Organização dos Advogados na lapela da minha camisa social:

- Uma advogada – soltou um suspiro – não é a melhor espécie de gente minha Senhora, mas ela não me parece uma traidora – finalizou olhando pra mim – traidores não erguem a cabeça diante da morte. Posso afirmar...

- E quem é você?

A mãe da Juce disse e ele me deu um olhar que fez gelar meu cérebro:

- Alguém que a Senhora não vai querer enfrentar – ele disse apenas isso, e fez os meus três acompanhantes indesejados recuarem. Ele se voltou para mim, passou seus braços fortes ao redor da minha cintura, tocando de leve meu corpo e desamarrou as cordas do meu pulso de maneira gentil. Bem, pelo menos pareceu ser gentil diante daquela situação.

Ele me ergueu nos braços, e olhou para o resto do pessoal, fazendo os andarem conosco em direção a algum lugar. Mas a mãe de Juce, acostumada a ganhar sempre, ainda tentou:

- Eu posso pagar por ela.

- Quanto? O meu salvador se virou respondendo de maneira rápida a mulher e eu fiquei apavorada com a possibilidade de ele aceitar qualquer oferta.

- Só dizer o valor – ela disse recuperando sua antiga postura confiante.

- Tudo o que você tem – ele sorriu triunfante. Ela negou com a cabeça de maneira frustrada e ele continuou seguindo ao meu lado.

Não sei em que passo daquela caminhada eu perdi meus sentidos, mas eu me lembro apenas de desmaiar e sentir braços fortes me segurando no colo.

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