3º Capítulo

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3 – O dia em que eu não me reconheci

Estou há quase dois meses vivendo dentro de uma casa. Ripper, ou seja lá quem for realmente esse cara, sempre vem ao meu quarto uma vez no dia. Nunca no mesmo horário. Tenho a impressão que ele não gosta de manter um padrão. Raramente conversa comigo, praticamente realiza monólogos consigo próprio. Mas sempre me pergunta se a comida foi suficiente e se eu preciso de algo pra minha higiene. Roupas limpas são postas diariamente no meu quarto por uma mulher que entra muda e sai ainda mais calada. E não me dirige o olhar.

Estou estressada, constantemente em alerta e mal consigo dormir. São umas cinco horas da tarde, eu sei porque ouço a TV ligada na casa e que anuncia o fim da sessão da tarde. No entanto, ele ainda não veio.

Eu forço meu corpo para se levantar e vou ao banheiro do quarto. Suas paredes são simples e não possuem azulejos. O chão é de cimento e de pequenos ladrilhos.  Existem ondulações próximas da área do chuveiro, provavelmente por causa do uso. Mas esse é o meu pequeno prazer do dia: sentir a água escorrendo pelo meu corpo e não precisar sair por causa de algum horário. Fico ali por uma hora, pelo menos, todos os dias. Lavo o cabelo, porque a casa é quente e sempre acordo com eles grudados no meu couro cabeludo, emaranhados de tanto suor.

Quando termino, olho no pequeno espelho fixado na parede e vejo o meu reflexo. Tenho grandes olheiras em volta dos meus olhos, minha bochecha parece mais magra e não vejo qualquer vestígio de cor nas maças do meu rosto. Costumava ser bonita, mas não vejo mais o brilho que mantinha meu olhar.

Minhas unhas estão grandes, apesar de ter um cortador de unha ao lado da pia. Não quero usar. Apenas faço a depilação da virilha e das axilas com a gilete que me foi dada, porque sinceramente tento manter o mínimo de minha dignidade. Sempre me mantive lisa e isso é uma questão muito mais higiênica do que propriamente uma questão feminina.

Enrolada na toalha, abro as portas venezianas do banheiro e encontro um par de olhos frios e castanhos. Eu congelo na mesma hora e volto para o banheiro correndo com a muda de roupa na mão. Sempre visto a mesma coisa: calça de moletom e camisa de manga.

Saio depois de tentar controlar minha respiração por alguns minutos e ele continua na mesma posição de sempre: sentado ao pé da cama.

Eu olho para suas roupas, sempre limpas quando vem me visitar e noto novos cortes nas suas mãos. Provavelmente esteve em algum tipo de luta. Há um corte bem pequeno próximo de sua sobrancelha. Ele percebe que estou observando e toca com a ponta de seus dedos sobre a ferida. E sorri pra mim:

- Não comeu bem hoje, Marina.

- Não – eu apenas confirmo e sento na outra extremidade da cama.

- Isso não é bom, você está visivelmente emagrecendo – ele aponta para minha cintura e eu fecho meu corpo com meus braços. Eu olho para o lado, tentando quebrar o contato visual que sempre estabelecemos.

- Estarei ocupado por dois dias seguidos e não encontrarei você. Apenas a Sra. Fátima virá encontrá-la e pode pedir qualquer coisa que precisar – ele me diz com confiança.

- Não preciso de nada – eu falo e corajosamente ergo meu rosto para encará-lo.

- Ela pode te arranjar qualquer coisa, Marina – ele me observa com calma na voz – quem sabe livros? DVD’s?

Eu nego com a cabeça e como ele continua me olhando, incrivelmente eu tomo ainda mais coragem:

- A porta da rua, talvez?

Ele não diz nada e quebra definitivamente o nosso contato visual. Levanta-se lentamente, vira-se para a porta, e quando eu finalmente acho que ele vai deixar o quarto, ele se volta para mim, caminhando na minha direção e segura meu rosto com uma das mãos com firmeza:

- Isso não vai acontecer.

E novamente sai do quarto sem olhar pra trás.

RipperNơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ