Pascoaniversário, por @jardimsecreto

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— Não temos dinheiro.

Essa frase deve estar presente no cotidiano de milhares de pessoas, então a família sentada à mesa de jantar não chamava tanta atenção assim.

A filha mais nova, porém, estava dando o seu melhor pra mudar isso.

— Mas, mãe! Todas as minhas colegas já tiveram festa de aniversário num salão! Pode perguntar pra mãe delas! Só eu que nunca tive festa em salão!

— Ah, coitadinha de você, tão sofrida a sua vida, Sabrina... — a irmã mais velha pega a travessa com a carne requentada do almoço por cima da cabeça da mais nova.

— Já disse que não, Sabrina. — a mãe tenta colocar o ponto final. — Me passa a colher do feijão, Lucas?

Sabrina solta um gritinho fino, mas a mãe insiste em ignorar suas exigências. O pai, sentado ao lado da mais nova, se abaixa para falar pela primeira vez desde que a filha surgiu com o assunto naquele dia.

— Sabrina, vou falar só mais uma vez: você vai ter a festa, mas não vai ser no salão que você está pedindo. Isso custa muito dinheiro, sabia? Se os pais das suas coleguinhas conseguem pagar, ótimo! Você vai aproveitar todas essas festas como convidada. Mas a sua não vai acontecer no mesmo lugar porque seus pais não vão deixar de colocar comida na mesa pra todo mundo só pra pagar por um capricho seu, estamos entendido? Agora senta direito e come, senão vai esfriar.

Sabrina cruzou os braços e as pernas sobre a cadeira, evitando olhar para os pais. Ficou assim até perceber que nenhum deles ia voltar atrás só porque ela tinha se sentido ofendida e derramado algumas lágrimas de nervoso no meio tempo.

No fundo, Sabrina sabia que não ia conseguir muita coisa, mas pelo menos tentou.

🍫

— O que tá fazendo? — mais tarde no mesmo domingo, Lucas se surpreendeu com a chegada da irmã ao seu lado na pia da cozinha. Era sua vez de lavar a louça e Beatriz nunca, jamais, em todos os seus quinze anos de existência, tinha se voluntariado pra ajudar o mais velho.

— Fingindo que estou secando os pratos

— Fingindo muito mal porque nem um pano você trouxe.

Beatriz revirou os olhos e espiou pra ver se não tinha ouvidos penetras na cozinha. Os pais estavam sentados em frente à TV, e Sabrina... bem, depois do show na mesa de jantar, a mais nova se encolhera num cantinho do sofá e não soltara um pio depois da bronca do pai.

— Tive uma ideia pra festa da Sabrina — Bia cochichou —, mas só fica entre a gente porque não quero a mamãe se preocupando e o papai falando que não vai dar certo porque não temos dinheiro pra isso e blábláblá.

Lucas ficou calado. Não que fosse insensível, mas não estava exatamente pensando no aniversário da mais nova dos três. Ele mesmo nunca teve festa — só quando a avó era viva e lhe preparava bolos de cenoura para comemorar. Ele nem entendia porque festa era algo tão importante.

— Já que vai cair bem na Páscoa, por que não fazemos chocolate pra ela? E, tipo, uma caça aos ovos? As meninas adoram essas coisas originais! Sabrina vai deixar de pedir festa por um bom tempo...

Lucas parou com o prato debaixo da torneira, o sabão escorrendo entre seus dedos.

— Você quer que a gente faça ovos de Páscoa. — ele repetiu, um pouco incrédulo. Beatriz encolheu os ombros e murmurou um "sim". — Tá... espera só um minutinho.

O garoto terminou de lavar pratos, colocou-os no escorredor, se apoiou na pia e suspirou.

— Você bateu a cabeça, Beatriz? — e soltou, em alto e bom som.

Contando um Conto | Young Adult LPWhere stories live. Discover now