Os futuros de Páscoa, por @rachelffernandes

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Érico colocou a língua para fora ao tentar fechar o laço daquele ovo de Páscoa colorido. Por que os malditos laços, quando ele decidia fechá-los, não ficavam no lugar? Érico suspirou e ergueu a cabeça. Na extensa mesa do Laboratório de Gastronomia da faculdade, onde as doações de ovos de Páscoa e chocolates se avolumavam, ele viu um número absurdo de laços a serem feitos. Sua Sexta-Feira Santa, pelo visto, demoraria a passar.

Todos os anos a faculdade de Gastronomia arrecadava doações de Páscoa para entidades carentes de Porto Alegre, e oferecia a oportunidade de ouro aos alunos que, inspirados pelo espírito de caridade da Páscoa, decidiam ceder seu feriado de Sexta-Feira Santa para fazer laços em ovos de Páscoa, carimbar coelhinhos em cartões e embalar chocolates em papéis de cor berrante para os menos favorecidos. Apesar de interessante, a iniciativa raramente despertava o interesse dos alunos. Passar o feriado enfiado numa sala subterrânea da faculdade, no trabalho maçante de analisar e preparar as doações era uma bosta do início ao fim. E nem a promessa de algumas horas complementares foram capazes de atiçar os estudantes do curso de Gastronomia.

Mas se não fossem as benditas horas complementares, por exemplo, os amigos não estariam ali com ele. Érico enfiou um ovo de Páscoa na caixa e apertou os olhos para o Laboratório vazio. Nando e Mosca, seus dois melhores amigos que aceitaram na hora a ideia de passar o feriado embalando ovos de chocolate e fazendo a Páscoa dos outros um pouquinho mais feliz, sumiram depois de 20 minutos de trabalho.

"A gente já volta, Surdinho", dissera Nando, enfiando a jaqueta jeans e saindo pela porta do Laboratório. "Dois minutinhos!"

"É, meu. Vai ser coisa rápida", completara Mosca. "Só pegar um salgado e voltar."

Érico olhou para o relógio que ficava acima da porta. Os 20 minutos se transformaram em 40 há tempos, e nada dos dois, que certamente trocaram o tal salgado por uma cerveja gelada nos bares da frente da faculdade. Ele revirou os olhos, lutando contra outro laço que não ficava no lugar. Ajeitou o aparelho auditivo e fez uma careta para o laço torto.

Poderia estar em casa, ajudando a Dona Dai, sua mãe, no preparo do bacalhau ao molho de laranja que ela fazia tão bem, ou picando o chocolate para Cléber, seu padrasto, fazer aquele mousse de chocolate com hortelã que era tão incrível. Érico carimbou um cartão com as patinhas do coelho e amaldiçoou a ideia de trocar o almoço da Dona Dai por aqueles laços escorregadios que não ficavam no lugar. Suspirou e, resignado com a própria falta de habilidade, pegou outro laço.

— Tu tá fazendo o laço errado.

Ele ergueu a cabeça. Isabel estava ao seu lado, com uma latinha de refrigerante nas mãos, os cabelos castanhos presos no tradicional rabo de cavalo e o cenho franzido para o trabalho horroroso dele. Érico sorriu, perguntando-se como era possível ser tão apaixonado por ela.

Os ângulos duros do rosto de Isabel, suas mãos de pianista — pianista de jazz, que fique bem claro — os olhos castanhos profundos demais para o próprio bem, os silêncios duros e o som meio rouco de sua voz eram a perdição de Érico. Saíam há pouco mais de seis meses, e ele estava, na melhor das definições, rendido por ela em todos os sentidos.

Ela deixou a latinha em cima da mesa, em meio aos ovos de chocolate que ainda precisavam ser embalados, esfregou as mãos na calça jeans e pegou o laço torto de Érico. Ele observou, em silêncio, enquanto as mãos dela, as mãos pelas quais ele também era apaixonado, trabalhavam com afinco no laço.

Isabel não era dada a conversas; mais ouvia do que falava, mais agia do que teorizava. Naqueles seis meses, Érico se habituara aos silêncios e encaradas profundas dela, ao jeito fechadão de Isabel. Sentia falta deles quando estavam distantes. Sentia falta dela quando estavam distantes.

Contando um Conto | Young Adult LPWhere stories live. Discover now