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Rápido, rápido,
toque a canção de ninar.

Podia ver a claridade o dia surgir por entre os prédios ainda que os raios do sol não a alcançassem, mesmo de óculos escuros. Então entrou fechando as portas, era mais uma manhã que não poderia assistir.

— O sol já nasceu? — perguntou Débora.

— Eu ainda estou viva, não estou? — Mirela respondeu mau humorada.

Pegou a taça que a irmã serviu e tirou as tranças de sobre a mesa antes de brindarem, ainda estava viva para mais uma noite de trabalho.

Estar no hospital era desgastante, apenas o banco de sangue tinha algum aproveitável, com uma equipe menor para emergências consideráveis. Ali era um dos poucos lugares em que podiam contar com a ajuda de alguns humanos — alguns dos poucos que podiam guardar segredo. Todavia usar daquela função como disfarce para sobreviver era frustrante quando sabiam que podiam fazer ainda mais pela sua espécie.

E era tolerar aquilo que colocava comida na mesa para seus irmãos. Ou melhor, a bebida nas taças. Não demoraram a ouvir a moto e as portas automáticas trancarem, uma a uma, com estrondo na rampa do subsolo, e a sacada interna do andar de cima viram quando o terceiro e último chegou, freando rapidamente para saltar do veículo ao tempo que tirava a jaquela, com focos de incêndio, das costas.

— Precisava mesmo ficar com sua garota até o último minuto? — provocou Débora.

— Até o último segundo, na verdade. — respondeu Oscar, o mais jovem dos três.

— Certo... deveria trazê-la, passar o dia... Estou cansada de me preocupar se você vai voltar ou morrer queimado. — sugeriu Mirela terminando a bebida.

— Eu não... Ela não sabe que vocês também são vampiras.

— Espera, falou só de você? — Débora questionou. — Disse que é um vampiro, mas a gente não?

Após verificar as costas Oscar empurrou a moto para estacioná-la corretamente, ponderando quantas jaquetas menos gastas ainda tinha no guarda-roupa.

Eram três, irmãos, e embora o caçula se parecesse mais com pai índio, elas haviam puxado mais o lado da mãe, negra. Ambos falecidos após o último conflito sério entre as raças, depois de passarem séculos juntos, quando escrava saída de um continente chegou a outro, e daí foi levada para uma terra tão parecida e ao mesmo tempo diferente da sua, que se identificava mais com os nativos do que com a escravidão a que fora encarcerada.

— Vocês são minhas irmãs! Não me deixariam aqui se eu fosse o único vampiro. Ou deixariam? — duvidou.

Mirela riu com a preocupação repentina do impulsivo e inseguro caçula.

— Não. Claro que não. A não ser que tentasse se alimentar de nós. Então se não nós deixasse ir, nós o mataríamos. — esclareceu Mirela.

— É, mataríamos. Com certeza. — Débora afirmou.

— Nem digam isso. — Oscar pediu. — É uma droga sermos assim, mas pior seria eu atacar minha família.

— Ah, pare com essa melação. Somos três bestialidades no final das contas!

Com ambos seguros em casa, supervisionados por ela ainda que todos tivessem décadas sem envelhecer, poderia descansar melhor. Seria um dia ainda melhor se não tivesse de alimentar os Jantar e Almoço, os dois dobermans que adotaram filhotes. Aproveitou que os irmãos se recolhiam cedo para ligar a playlist nos fones, enquanto colocava a roupa para lavar, antes de sentar à mesa e se dedicar ao trabalho mais importante que sua casa ou seu emprego.

Sob as PresasWhere stories live. Discover now