10. Elixir

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Someralda sentiu o gosto da terra pinicando seus lábios

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Someralda sentiu o gosto da terra pinicando seus lábios. A poeira transformava o acampamento num borrão marrom de vultos e formas sem rosto. A menina não conseguia discernir para onde caminhar, em que podia confiar, ou sequer se estaria viva nos próximos minutos. Medo parecia o único fluido percorrendo suas veias; era questão de tempo até que as pernas não pudessem mais sustentá-la.

— Por favor, não! Num faz isso! Por favor! — a voz de alguém em meio à névoa cavoucou aos ouvidos da garota. A reconhecia, percebeu, até bem demais. — Deixa nós em paz! Por favor!

Por um momento, Someralda achou que seu coração era tudo que dava para ouvir — pulsando frenético no peito, retumbando o corpo inteiro. Mas então ela ouviu outra coisa.

TING! Uma espada cortando o ar veio primeiro e, depois, o barulho brusco de algo batendo no chão.

Os olhos se fecharam e os arrepios percorreram o corpo. Someralda levou a mão à boca, tremendo, e se afastou um passo, o mais silenciosamente possível.

Silêncio no caos. Com exceção do coração.

Os olhos da garota se abriram, mas não havia nada a ser visto que não poeira. Os vultos flutuavam como fantasmas pela retina já repleta de pontos pretos.

Então os ouvidos a pinicaram. Passos soavam à frente, junto ao tilintar de uma armadura. A menina engoliu em seco, observando surgir uma enorme sombra à frente, sombra que poderia ser uma criatura, um animal, um monstro. Suor escorreu pela nuca e Someralda selou um lábio no outro; manteve-se estática feito estátua.

Era a voz dele que ela tinha ouvido, estava certa. Era ele quem estava ali, atrás daquela sombra monstruosa, era ele quem precisava de ajuda.

Mas a garota não se moveu, paralisada pelo medo. Ela não se moveu.

Mais passos, mais tilintar. Suor descendo pelo pescoço.

Os dentes de Someralda brigavam com a língua.

O ar, reparou, estacou dentro de seu corpo e, pelo que pareceu um minuto inteiro, ela não respirou, não aspirou.

Mais tilintares. O barulho da armadura. Passos no chão de terra.

E a sombra foi embora.

O ar escapuliu pela boca.

Ninguém sabia como, mas a pequena comunidade druida havia sido encontrada pela Armada Tomiana, embora escondida na mata densa de Capricórnio, e agora perecia diante de seus habitantes. A nuvem de poeira subiu assim que o golpe se anunciou: os cavaleiros jogaram bombas fumacentas que estouraram em uma série de estrondos — podiam ser monstros rugindo em fúria, parecia. O povo todo foi acordado nessa desordem e, após, não era possível enxergar um palmo à frente. Foi quando o fogo começou a subir e Someralda viu as tendas desmoronando; os druidas fugiram em polvorosa somente para serem interpelados pelo cerco de soldados que os já estava esperando do lado de fora.

O Presságio do Sineiro: Rastro de FogoWhere stories live. Discover now