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Londres, 01 de fevereiro de 1950.

Heaven Bryer

— Muito obrigada novamente, senhor Demetri — inclinei a cabeça, agradecida, quando o velho senhor parou seu carro em frente à iluminada fachada do The Times. — Prometo que amanhã mesmo me encarregarei de levar um dos meus melhores bolos à sua casa como retribuição.

— Não há de quê, menina — Demetri sorriu, balançando a mão direita no ar. — Eu e minha filha estaremos dispostos à recebê-las as duas em nossa casa.

Com um último sorriso, puxei a maçaneta da porta de aço. Antes que eu saísse para o frio ambiente externo, o minha tia, do banco traseiro, interpelou:

— Querida, espere! Como irá para casa? 

— Fique descansada. Hei de arranjar uma carona generosa, titia — dispensei sua preocupação, encarando-a pelo retrovisor.

Os olhos de Ophelia se estreitaram. Mesmo que eu não voltasse por carona de alguém, titia não teria mesmo como saber se caminhei até minha casa, já que lá não estaria quando eu retornasse. E, além disso, ela não mais poderia exercer qualquer poder de manipulação ou de curiosidade sobre minha vida pessoal.

— Deixe um beijo em Sarah e em mamãe por mim. Até breve — despedi-me, tomando impulso para deixar o carro, ao que ambos os idosos responderam, por meio de tons diferentes, em uníssono.

Respirei fundo, ajeitando a seda de meu vestido, quando enfim vi o carro de passeio de Demetri seguir pela rua e dobrar a primeira esquina. Escolhi passos lentos para chegar até a entrada do jornal. Lá, ao lado de fora, não havia ninguém; a porta principal estava aberta e as luzes noturnas completavam a iluminação da rua. Diversos carros se encontravam estacionados à margem de ambos os opostos das calçadas paralelas, o que demonstrava que muitos dos convidados compareceram ao evento.

Uma sensação fria em meu epigástrio me fez colocar a mão sobre a barriga. Aquela seria a primeira festa social empresarial da qual eu estaria prestes a participar. Preocupada com o estado de meu cabelo, organizei rapidamente as poucas, e finas, mechas soltas. Antes que eu pensasse novamente em desistir de fazer aquele papel de funcionária sociável, tomei a iniciativa de atravessar a entrada do prédio.

A segunda porta, fenestrada, que separava o vestíbulo do salão principal, estava fechada naquela noite. Nem pude questionar mentalmente o fato, entretanto: encontrei-me logo com o porteiro, de pé ao lado dela. Ele me encarou, murmuramos um monótono boa noite e o funcionário, preguiçosamente, rubricou algo em sua prancheta — o que imaginei ser a lista de convidados. Estiquei os olhos para identificar as horas marcadas no ponteiro de seu relógio de pulso, mas não obtive sucesso: o homem de meia idade afastou-se, abrindo a porta para minha passagem.

— Aguarde aqui no salão, junto dos outros funcionários, a chegada do senhor Styles.

— Obrigada — assenti, passando por entre o espaço da porta indicado por ele.

Apertei minha pequena bolsa, nervosa, ao ver borbulhar no recinto o que parecia ser uma centena de cabeças. Não houve economia na escolha da decoração: pequenas lâmpadas se uniam à faixas longas e alvas de tecido creme, e pendiam por todo o perímetro, desde a altura das escadas principais até o a barra das cortinas.

As vozes dos convidados e o tilintar de taças se misturavam com a música instrumental ao fundo, que soava com harmonia. Mesas redondas, com toalhas de linho estavam espalhadas pelo lugar; tratei de buscar alguma que me agradasse. Escolhi a que estava ao lado das escadarias, em uma cadeira que me permitia observar a movimentação do salão por quase toda a sua extensão. Mais duas cadeiras se dispunham no espaço diametralmente oposto ao local onde me sentei.

1950 • h.sWhere stories live. Discover now