twelve

1.3K 125 139
                                    

Londres, 4 de fevereiro de 1950.

Heaven Bryer

Terça feira. O relógio de parede informava que faltavam cerca de dez minutos para o horário de almoço. Dez minutos que se arrastavam lentamente como um caracol. Distraída, organizei minha mesa.

Enquanto o fazia, meus pensamentos fluíam de minha irmã aos meus pais. Pouco tive a oportunidade de ver minha mãe acordada durante esses últimos dias. Ela estava dormindo no sofá da sala, enrolada em um cobertor velho, quando cheguei da confraternização de Styles no sábado. Talvez estivesse me esperando chegar para dormir. Foi aquela a cena que me causou maior arrependimento: não deveria ter deixado minha mãe e meu pai para ir a uma festa da companhia. Não acordei-a. Apenas puxei seu cobertor até o pescoço e dei-lhe um beijo sincero na face.

No domingo pela manhã, mamãe acordou cedo. Como não consegui dormir efetivamente, dados infinitos pensamentos que rodeavam minha mente, escutei que ela preparava o café da manhã às cinco e meia. Depois de um banho quente, desci as escadas e andei em direção à cozinha. Minha mãe sorriu ao me ver, depositou um beijo em minha testa e perguntou-me como fora a confraternização da noite anterior. Eu sabia que ela não a aprovava, mas também sabia que ela estava se esforçando para não levantar a voz. No hospital, titia certamente deve tê-la explicado às miúdas sobre a tal festa, até que ela se exaurisse.

Dei-lhe detalhes sobre a comida e a música. Ela quis saber o modo o qual eu voltara para casa; respondi que Simon me trouxera. Ela insistiu em perguntar-me se meu colega tentara me beijar em frente à porta. Exclamei que não com vigor, e ela suspirou em alívio, dizendo que se qualquer homem o tentasse, meu pai estaria os esperando com uma espingarda atrás das cortinas da sala.

Eu ri. Então, mudei de assunto. Perguntei-a sobre Sarah. Ela disse aquilo que eu já sabia; melhora lenta e incessantes tentativas de contato com um médico especialista. Mamãe pousara a xícara de café sobre a mesa, e iniciara um choro baixo. Levantei-me de minha cadeira e abracei-a, dizendo-lhe que Sarah ficaria bem; que todos ficaríamos. Entretanto, eu mesma não tinha qualquer resquício de certeza daquilo que dizia.

Mamãe voltou para o hospital pela noite, e eu fiz questão de acompanhá-la, junto de meu pai. Ele trabalhara desde a manhã de sábado até a madrugada. Mesmo cansado e com uma péssima aparência, ele pagou nossas passagens de bonde e andou ao nosso lado até o quarto de minha irmã. Não pude vê-la, pois o horário de visitas havia acabado havia cinco minutos. As enfermeiras deixaram que minha mãe trocasse a vigília com tia Ophelia, e foi quando a porta do quarto foi aberta que eu proibidamente enfiei minha cabeça ali para ver Sarah. Ela sorriu quando me viu, envolta pelo lençol e pelos fios dos aparelhos médicos. Coloquei um dedo nos lábios, em sinal de segredo, ao que ela imitou.

Por sorte não fomos descobertas.

Meu pai decidiu ficar com mamãe e Sarah. Então, retornei para casa com tia Ophelia, dialogando enquanto comíamos os biscoitos amanteigados que ela comprara em uma barraca em frente ao St. Thomas. Esta encheu-me de questionamentos, assim como eu já esperava. Desviei daqueles que se relacionavam a Harry ou a carícias de qualquer natureza.

Ao anoitecer, ajudei-a a preparar nosso jantar. Titia me contava sobre as fofocas que escutara das enfermeiras enquanto ficou no hospital. Não sei se a ouvi com atenção. Eu picava batatas para pô-las no forno, e minha cabeça polvilhava.

Faziam horas e horas desde que eu deixara a maldita festa, mas o momento o qual Styles soltara minha mão e me deixara plantada em meio ao salão revivia continuamente. Reviveu também ao deitar-me para dormir; o rádio ligado a tocar uma música lenta e deprimente. Os meus olhos ficaram úmidos e uma sensação de vazio em meu peito surgiu sem pedir licença. Eu sequer sabia discernir o por quê estava triste, mas o sentimento se instalara e parecia não querer libertar-me.

1950 • h.sOnde histórias criam vida. Descubra agora