fourteen

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Londres, 6 de fevereiro de 1950.

Heaven Bryer

Havia muitas diferenças entre eu e minha mãe. A mais aparente delas, além da aparência, era a maneira com a qual lidávamos com os problemas. Ela, advinda de uma família interiorana de classe média, ao se deparar com uma dificuldade, procurava agir da forma que mais se adequasse à vontade de meu pai, custasse o que custasse. Eu não a culpava; mas em seu lugar, conduziria as situações de outra maneira, se pudesse.

Gostava de pensar que eu era minimamente capaz de mudar o que quer que estivesse ao meu alcance. E eu tinha a voz da mudança. Entretanto, meus progenitores — assim como toda a sociedade britânica — jamais possuíram ouvidos para ela.

Também gostava de fantasiar com o dia em que eu finalmente poderia escrever uma coluna e, com minhas próprias palavras, expressar a voz e a opinião de centenas de gerações de mulheres em todo o território londrino. Imersa nessa utopia, me perdia pensando se meu pai — ou, até mesmo, minha mãe — aprovaria minhas publicações. Narizes franzidos e olhares de sutil vergonha seguiam essa cadeia de devaneios.

Não era como se eu não estivesse acostumada com essas reações, dado que, nestes últimos anos, manifestei-me contra as determinações a mim impostas com certa frequência.

Depois da última conversa que eu tivera com meu pai sobre a nossa situação financeira, tudo isto ficou claro aos meus olhos. Então, eu desistira de tentar fazê-los me ouvir e tomara a iniciativa de mover as peças daquele xadrez às escuras.

A minha intenção não era tomar o lugar de meus pais no comando da casa. Seria egoísta e extremamente irracional pensar assim. Porém, enquanto eu segurava em minha frente a fatura dos custos hospitalares destinados ao tratamento de Sarah, decidi que chegara meu momento de me mobilizar em favor de minha família. Não era justo que papai trabalhasse em dois turnos para cobrir uma lacuna monetária que eu poderia, com certa cautela, preencher por ele. O que realmente importava era a saúde de minha irmã, a sanidade mental de meu pai e a serenidade de minha mãe.

Quando verifiquei o extrato de minha conta bancária pela última vez, havia quinze dias, o saldo disponível não cobria sequer metade daquele valor devido ao Hospital St. Thomas que eu pretendia pagar. O próximo salário seria compensado na próxima terça-feira. Era preciso levar o dinheiro ao tesoureiro o mais rápido possível, para evitar que meu pai o fizesse antes do final de semana terminar.

Coloquei os dedos na têmpora, massageando-a. Olhei para o relógio de parede em minha sala. Eu chegara mais cedo; faltavam dez minutos para que o expediente da quinta-feira se iniciasse. Caminhei até a porta, decidida em tomar um café na cozinha do andar, para que minha mente se clareasse.

Alguns funcionários estavam sentados à pequena mesa quando cheguei. Cumprimentei-os, desejando-lhes bom dia, enquanto me dirigia aos armários. Fiquei na ponta dos pés para alcançar uma xícara de porcelana na prateleira mais alta. Assim que consegui pegá-la, voltei a colocar os calcanhares no chão. Foi então que reparei na estampa do utensílio. Suspirei. Pequenas flores cor de rosa envolviam o diâmetro dele como uma coroa.

Senti meus batimentos cardíacos em minha garganta. Balancei a cabeça de leve e voltei a levantar-me para deixar a porcelana em seu lugar no armário. Procurei por qualquer outro modelo de xícara que não fizesse meus pensamentos se embaçarem ainda mais. Optei por uma marrom.

Virei-me para me servir de um pouco do café que se encontrava na mesa.

— Soube que ele perdeu o pai naquele dia — comentou um dos homens sentados à mesa para os outros dois à sua frente. — O velho estava em Pearl Harbor para fazer manutenções no sistema de encanamentos de um dos navios quando a bomba explodiu.

1950 • h.sWhere stories live. Discover now