3 / ESCONDIDOS NO MATO COM MEDO DE ONÇA

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Era por volta do meio-dia e todo mundo já tinha almoçado quando um peão da fazenda vizinha chegou a galope. Trazia um recado para o Jorge.

— Tarde, pessoal. — O homem saudou, ainda da sela. — Tem uma vaca parida d'ocês ali pertinho do rio. O seu Córdobas que mandou vir avisar o seu Jorge para ir lá buscar o bezerrinho. É região perigosa, né? O senhor pode perder a cria. Tem muita onça naqueles lados. Levo ocês lá.

A ajuda foi agradecida e, de fato, não tinha muito o que pensar. O próprio Jorge pediu que Jean e os outros dois ficassem prontos e de cavalo encilhado em poucos minutos. Que levassem munição para o caso da emergência. Ficariam por lá uma noite, no máximo. Joaquim também estava atento. Viu nessa expedição uma oportunidade de reafirmar a sua macheza junto do pai pois, desde que chegara, era visto como garoto frágil de cidade grande. Não bobeou para pedir para ir junto. Além do mais, André também estaria por perto.

— Se eu me complicar, papai, tenho o senhor, o peão André, todo mundo, né?

Ninguém botou empecilho e, naquele dia mesmo, uma hora depois, os seis homens já estavam prontos nas selas dos seus cavalos. Partiram. Jorge, Jean e o peão ajudante à frente, Joabe no meio, e André e Joaquim, um do lado do outro, na retaguarda.

Já era tardinha quando encontraram a malhada e o seu bezerrinho no matagal denso daquela região. Foi aquele próprio peão, que descobririam mais tarde se chamar Gustavo, quem a viu primeiro deitada no capinzal.

— Aqui — chamou.

Desmontaram e foram chegando perto dos bichos. O bezerrinho ainda sugava as tetas da mãe sob uma nuvem de moscas. A vaca, muito machucada, deixou escapar um mugido desses que era que nem um lamento. Não se moveu ou tentou proteger o filhote. Imaginaram que tinha sido cria difícil, mas imaginaram errado.

Ao mesmo tempo, lá na fazenda, escoradas num móvel da sala de estar, Nina e Joana estavam fuxicando. Mas não sobre assuntos de trabalhos, limpeza ou qualquer coisa assim. Falavam dos peões.

— Ah, o Joabe... — Sorriu a moça Nina, ruborizando nas maçãs do rosto. — Sempre quis você sabe o quê com ele!

— Menina — Joana rebateu, também rindo. — Diz isso porque ocê não viu o capataz igual eu vi. Aquilo é que é homem bicho bruto!

— Ai, Joana! Me conta como que foi aquilo!

— Eu? Não tenho nada para contar, ocê mesma viu! E também se a patroa pega nós duas aqui falando essas coisas, arranca o nosso couro!

— O que que cê tá sabendo?

Então, aqui, Joana baixou a voz:

— Ué? Sei o que tá na cara. Ela e o capataz... Vai me dizer que ocê nunca percebeu?

Mas moça Nina apenas esbugalhou uns olhos de surpresa, as mãos espalmadas no rosto. Estavam tão entretidas ali que nem deram conta de uma sombra severa parada no alto da escadaria ouvindo tudo. Ela mesma, Janete.

Lá no mato, os nossos peões não demoraram a descobrir porque aquela vaca mal conseguia se mexer.

— Foi onça! — Jean percebeu primeiro. Joabe acabava de confirmar os rastos em relevo na lama ali em volta. — Foi uma onça que atacou a coitada. Por isso que nem tem força de andar. E se a cria tá viva, é porque ela defendeu do jeito que pôde.

— É — Jorge engelhou a cara, espiando a vaca mais de perto. — Essa aí tá condenada.

— E a gente faz o quê com ela se morrer?

— Nada. Deixa ela aí. A pintada volta, termina o serviço depois. Não deve estar longe. Mas se a gente pega essa maldita, aí a gente atira pra matar!

Não demorou, a noite caiu sobre todo mundo. Lá na sede da fazenda, lampiões foram acesos e nuvens de mosquitos zumbiam nas varandas. No mato, acampados, os peões se viravam como podiam. Abriram o capinzal em torno da vaca ferida e sua cria e acenderam uma fogueira distante dela, para que o fogo não pegasse no capim. Ficariam vigiando.

Em volta das chamas, todos calados e vigilantes. O bezerro ainda precisava do leite da mãe e a onça esturrava em volta, nas distâncias. O fogo crepitava. Todo e qualquer vulto ou farfalhar no capim alto, os homens já passavam as mãos nos trabucos e facões. Apesar da noite estrelada, a tensão era grande. Só se ouvia o cri-cri copioso dos insetos, o piado frio das corujas-buraqueiras. A madrugada ainda avançava quando André saiu em direção a umas árvores. Ia mijar. Joaquim, quase perdendo as pernas, o seguiu. Fazia um tempo que Jorge observava.

Passado aí uns minutos, ele também se levantou e foi atrás daqueles dois. Não estava gostando de ver o seu filho sempre na cola do André. Onde o peão ia, Joaquim saltitava atrás. Dava má impressão. Então os seguiu até onde tinham parado. E ali, atrás da vegetação, um arbusto, Jorge esteve imóvel olhando os seus dois vultos. André, de costas, as mãos na cintura e a camisa jogada no ombro, mijava enquanto seu filho, também mijando, esticava o outro braço para a virilha do peão. Jorge fechou os olhos, atingido. Não quis imaginar o que aquilo significava. Quando terminaram, foi o próprio Joaquim quem abotoou as calças do André. Como recompensa, o rapazote ganhou um tapinha nas costas e foram voltando para onde os outros estavam. Jorge também voltou, só que bem depois.

Já sentado, o fazendeiro encarava a luz das chamas na sua frente atolado em angústias. Como podia aquilo? Educou tanto o garoto, o mandou para o Rio de Janeiro, deu do bom e do melhor... E aquela era sua recompensa de bom pai? Joaquim, ali com André, estava quase debruçado sobre ele. Sorriam, conversavam, mas Jorge não podia escutar nada. Será que não tinham vergonha? Santo Deus, depois de tudo o seu filho terminaria aquilo? Um maricas?

As chamas dançavam para a sua dor. Um maricas! Segurava a tromba de um peão para ele mijar. Que pessoa honesta, inteligente e bem-criada, como Joaquim, se dignaria a isso? Era castigo de Deus? Mas onde, em nome de Deus e de todos os santos, lhe havia faltado tanto como pai para merecer aquilo?

Jean se aproximou do fogo. Estava completamente alheio a essas reflexões do patrão, mas as chamas também dançavam para ele. Dançavam pelo corpo descamisado dele. Por cada nó, por cada músculo, pela sua pele de bronze suja de poeira e de suor. Só que o capataz, um homem perceptivo, sabia quando outro homem tinha um sapo entalado na goela. Perguntou a Jorge o que o afligia, mas Jorge só abanou a cabeça.

— Não é nada, meu bom... Não é nada...

Então Jean, ali mesmo, na frente do fogo e do patrão, desabotoou a braguilha. Entre os homens rudes da roça não havia timidez. Que isso era coisa de gente da cidade, gente fresca. Sacou o pau na mão sem cerimônia e, também sem cerimônia, mijou. Mijou molhando os pensamentos de Jorge. André mijava. Jean mijava. O filho era um maricas. E Jorge, ali, apenas assistia a tudo.

Um maricas! Jorge olhava, olhava. Será que o do André também era assim, que nem o do Jean? Tão comprido, a ponta da cabeça rosada? As bolas moles caídas, será? Mas não podia reclamar ou desviar as vistas dele. O capataz não tinha culpa. Só estava atendendo a um chamado da natureza. Ele devia ser feliz na cama, com as mulheres. Ah, isso, com certeza, ele devia ser. Talvez até Janete gostasse dele. Mulher fogosa que nem ela, com certeza gostaria. Quem lhe garantiria que, na sua ausência, ela já até não o tivesse experimentado? E então lembrou da cueca que flagrou no quarto no outro dia. Seria mesmo sua que nem a esposa o fez crer ou seria de outro homem? Ela ficou tão nervosa. Talvez fosse até do próprio Jean. Uma cueca daquele tamanho só podia comportar um caralho desse tamanho. E isso, agora, era tão claro quanto as chamas que ali, bem na frente de Jorge, dançavam para a sua aflição.

Jean balançou o pinto e o enfiou de volta na calça enquanto seu patrão, muito constrangido, não parava de pensar no que um homem como ele poderia fazer a sós com a sua esposa ou com o seu filho. 


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No Colo dos CaubóisWhere stories live. Discover now