6 / UM PEÃO PARA JORGE SE OCUPAR

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Fazia uma boa meia hora que tudo o que Jorge ouvia eram os gemidos da mulher lá no quarto fodendo com o Jean. Gemidos escandalosos, prazerosos. Gemidos de propósito, para que Jorge ouvisse, para que ele soubesse.

O homem levantou com um pulo, atirou o jornal que lia sobre a mesinha e saiu. Se aquele era o preço a pagar, então, merda, era bastante caro! E o seu orgulho de marido, como ficava? Mas ele sabia o seu lugar agora. Não subiria lá para flagrar o que nunca foi uma novidade. E assim foi andando pela varanda, o passo e a mente atordoada. A noite era calma. Havia uma luz no dormitório dos peões, lá distante. Uma luz da janela de um dos quartos.

O fazendeiro foi até lá. Talvez fosse o Gustavo. E, se fosse mesmo, bem, então teria com quem conversar um pouco. Já tinham feito as pazes, não havia mais contenda. Seria bom conversar com alguém. Seria bom reafirmar que o ocorrido do passado não debilitaria a relação futura deles.

Quando Jorge entrou no pequeno quarto, encontrou Gustavo sentado na beira da cama jogando xadrez sozinho. Sem camisa, só de calção e chinelo. Estava à vontade. Com certeza não esperava receber alguém. Ele se adiantou para Jorge em tom de desculpa. Quis botar uma camisa, arrastar uma cadeira. Mas Jorge não queria incomodar. O peão não tinha culpa de estar daquele jeito no seu quarto. Aqueles seus braços não precisavam de roupa, suas pernas não precisavam de calça. Podia ficar até pelado, se quisesse. Era seu direito. Jorge então voltou um pouco no tempo — era impossível não voltar. Pintos grandes, maricas... Ele abanou a cabeça, tentando afastar esses pensamentos insistentes, mas o calção que Gustavo usava era tão fino que Jorge podia até mesmo ver o desenho do seu pau certinho empurrando o tecido. Pau grande. Grande que nem o do Jean, o do Joabe, o do André. Grande que nem um braço. Grande que nem a inveja.

O fazendeiro se sentou na cadeira que Gustavo ofereceu, apoiou as costas no seu espaldar. Logo a mente voltou lá para o seu quarto, sua cama, para Jean e Janete suando e gemendo o seu sexo feliz. Jorge nunca duvidou que o capataz era bom com as mulheres. Não podia ser diferente, afinal. O homem era um touro, um cavalo! Mas e Gustavo, como seria? Seria também um brutamonte, ou seria carinhoso? Seria tímido ou desinibido? Como seria, afinal?

— Vamo ver o quanto que ocê é bom, peão — Jorge falou, de repente, indicando o tabuleiro de xadrez. — Vou jogar essa contigo.

E então despejou umas moedas na cama, ao lado do tabuleiro. Gustavo olhava, ressabiado. Desde o episódio no curral, ficava desconfiado daquela simpatia toda do patrão. Sempre pensou que seria demitido, mas, por algum motivo, Jorge o poupou. E agora, olhando bem, ele também não parecia estar totalmente à vontade ali. Parecia fingir para agradar, forçar uma coisa que não existia. Era natural que ele ainda tivesse raiva, afinal de contas o seu único filho era o mesmo que saía por aí segurando pintos, mas por que nutrir aquele rancor, estender aquela falsidade? Gustavo não gostava disso. De jeito nenhum. Preferia que o jogo fosse limpo e direto: se não o queria mais na estância, que o mandasse embora então. Em vez disso, ali estava Jorge, tentando se reaproximar. Como se quisesse se redimir, pedir perdão pela sua desforra de pai traído.

Sem o entender, Gustavo apenas desviou os olhos.

— Quero te pedir um negócio, meu bom — Jorge disse, mas o peão não se mexeu. Ficou esperando que prosseguisse, os olhos ainda baixos. O velho então meteu a mão no bolso da camisa e tirou de lá umas notas de URV amassadas. Deixou-as sobre a coxa nua de Gustavo com uns tapinhas. — Eu quero só entender uma coisa que tá acontecendo faz um tempo. — Gustavo o encarou e Jorge estava vermelho, parecia perto de explodir. De vergonha, de remorso, de humilhação. Todo o seu orgulho latejando contra o desejo desenterrado do peito. — Acho que hoje eu vou dormir, eu... Eu vou dormir aqui.

Gustavo, claro, não pensou duas vezes: se mostrou solícito, ofereceu a sua cama, que o patrão podia ficar à vontade, que não tinha problema se não estivesse bem com a patroa e não quisesse dormir em casa, que ele, Gustavo, se arranjava noutro lugar.

— Não, peão. Não é isso — Jorge retrucou, a sua voz era morna como num pedido de desculpas. — Não precisa de ocê sair, não. Pode ficar. Eu até quero que fique. Dormir aqui... Mais tu do lado.

Então, tendo sacado do bolso outro punhado de cédulas, o fazendeiro tornou a deixá-lo sobre a coxa do peão. O gesto dizia o que a aflição calava. Gustavo também mudou a expressão. O que significava a mão de Jorge na sua perna, aquele carinho silencioso e demorado que os seus dedos faziam nela, quase nupcial? Será que ele falava sério? Olhou o dinheiro ali, ao alcance da mão. Estava numa encruzilhada consigo mesmo. Era quantia boa. Muito boa mesmo, e dinheiro a mais é sempre bom. E olhou Jorge. Ainda custava a acreditar, mas era aquilo mesmo. O subordinado em oferta e o patrão o arrematando. Nada mais justo.

E foi com um meneio de cabeça que Gustavo indicou para Jorge chegar mais perto. Ainda não tinha bem certeza de que o patrão o atenderia, mas ele atendeu. O peão então indicou que Jorge se ajoelhasse à sua frente. De novo, o obedeceu. Agora o fazendeiro estava de joelhos bem aos seus pés, nervoso como um adolescente, submisso como uma noiva. Gustavo agarrou o dinheiro, respirou fundo. Não tinha mesmo jeito de ser diferente. Ficou de pé na frente do patrão e desceu o calção lá nos tornozelos.

— A gente vai começar com jeitinho, então — ele falou baixinho, balançando a própria ereção. — Não é difícil, não. É só fingir que é um pirulito...

E Jorge fingiu assim pela noite toda.


FIM

Jesús Blasco — escrito em março de 2015 

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