.3. corro até o centro do furacão

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Louisa / Hurricane / Cursed

      Ainda me lembro daquela noite. Foi quando decidi fazer o que desejei por tanto tempo: dei as costas para o mundo. Peguei o carro e saí sem muito além da roupa no corpo e baixas expectativas. Não sabia onde ia parar, mas de certa forma, isso não importava. Estava exausto de tudo, nada mais fazia sentido ou me fazia desejar estar vivo. Aquela era minha última tentativa.

      Como de costume, não me importei com os limites de velocidade. Pisar no acelerador era uma forma de tentar sentir algo real, o que há muito não fazia. Com as vozes do rádio e o som do vento batendo em meus ouvidos, quase me livrei daquele silêncio que me atormentava há tanto tempo. Aliás, diferente do que a maioria pensa, o silêncio é barulhento. Ele grita tão alto que te faz sentir a necessidade de gritar junto (mas não é como se isso realmente fosse ajudar).

      Assim como as placas, todas as coisas de que não sentiria falta ficavam para trás. Depois de tanto tempo, me sentia livre, e faria tudo para congelar aquele momento. Mas, como nada dura para sempre, a gasolina estava acabando e o único posto por ali era de uma cidade tão pequena que nem estava no mapa. Tudo parecia velho e caído, as construções eram simples e mal tinham cor. Metade do letreiro do posto estava, inclusive, numa montanha de lixo, cercado por uma grama tão alta que chegava à altura da cintura (o que só mostrava quão abandonada era a cidade). Não sei exatamente o motivo, mas decidi que era ali que passaria a noite, e, quem sabe, todas as outras.

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      Depois de horas procurando algo de interessante na cidade fantasma, encontrei o que parecia ser uma trilha. Não conseguia ver seu final, então resolvi ver onde daria, satisfazendo meu antigo sonho de caçar tesouros por aí.

      O caminho foi longo, mas ao chegar, percebi que não podia ter tomado decisão melhor. Um lago enorme, cercado de pinheiros e nenhuma iluminação senão da lua. Ri, tão alto que ouvi o bater de asas ao fundo. Como podiam as pessoas preferir viver na luz? A escuridão era linda. E como podiam nunca parar para vê-la? Sempre tão preocupadas com o fim, que mal prestam atenção no caminho. Escuto passos atrás de mim, meus pelos da nuca se arrepiam, mas não tenho medo - não tinha motivos para estar vivo, logo, não temia a morte.

      Era você.

      -Quem é você? - me perguntou, saindo de trás da árvore.

      -Uma ilusão. - Sorri ao escutar sua risada, tão linda. Continuou me encarando, como se ainda esperasse uma resposta. - Por que importa? Se sou real ou uma ilusão, se tenho nome ou não... No fim, somos só imagens. A vida é feita de imagens. - Falei olhando para o lago, mas podia perceber que poderia rir a qualquer instante. - Ben.

      -Ben. Prazer, sou a Louisa – disse, estendendo a mão - e teria sido muito mais fácil se tivesse dito seu nome de primeira. - Tinha um olhar divertido, e um sorriso sarcástico que não dava sinal de que iria embora.

      -Mas talvez o rumo da conversa fosse menos interessante se o tivesse feito. - Apertei de volta.

      Seus dedos eram pequenos e finos, assim como você. Lembro de ter achado Louisa um nome encantador, combinava muito contigo. Tão sonoro e divertido, e ao mesmo tempo único. Rapidamente fez todos os outros perderem a graça. Você fez todas as outras pessoas perderem a graça no minuto em que te conheci.

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      Minha barriga doía de tanto correr. Uma daquelas dores agudas de quando não tem nem uma mísera partícula de oxigênio nos pulmões. Tudo o que escutava eram sua risada, meus batimentos cardíacos e a sirene.

      -Você disse que não havia problemas quanto a nadar no lago por aqui. Mentiu pra mim, Louisa? - Eu disse num processo doloroso de tentar inspirar e expirar.

      Eram três policiais correndo atrás de nós, rostos curiosos aparecendo em cada janela da pequena cidade, eu tropeço, você ri. A maior confusão e você não esboçava um pingo de nervosismo. Alguém já te disse que você fica linda no centro do furacão?

      -Ouvi dizer que a mentira é uma boa história arruinada pela verdade. - Você piscou e eu ri.

      Droga, eu ri. Você era maluca e eu não via a hora de descobrir tudo o que podia fazer. Já estava em suas mãos desde antes de qualquer coisa acontecer entre nós. Estava enfeitiçado, você havia lançado a maldição. E o mais irônico, era que, além de ser a maldição, você era também a cura. 

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Lost in your strange trailsWaar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu