.5. tenho companhia além dos lobos

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The yawning grave / When the night is over / Frozen Pines

      Estava no topo da montanha. Fazia muito frio, meus dentes batiam e meu corpo se balançava de forma incontrolável. O que estava fazendo ali? Havia acabado de acordar. Teria sido um sonho?

      As lembranças começaram a vir aos poucos. Estava escuro, me sentia perdido e estava atrás de você, colocando em prática o plano do homem morto. Fiz o mesmo caminho de sempre, a cada passo deixando uma pegada na terra molhada. Conversei com os pássaros. Aliás, eu já havia lhe falado sobre essa mania minha? Falo com os pássaros, sempre. Nenhum outro animal, apenas esses, mas não saberia dizer o motivo. Se quer saber, Louise, os corvos têm as histórias mais interessantes.

      Começou a chover de novo, mas não uma daquelas chuvas torrenciais. Era como a que dançamos outra noite. As gotas e sua risada se misturavam de um jeito tão lindo, enquanto dava piruetas com os braços abertos, como um pássaro que acabou de aprender a voar: livre. Tão livre que qualquer um que a visse sorriria junto. Mas, ao contrário daquela noite, agora estava só e o caminho parecia só mais uma trilha, assim como a chuva não passava de gotas que atrapalhavam minha visão.

      Vi você no topo da montanha, comecei a correr em sua direção. Uma luz quase me cegou, no entanto. Olhei de novo, não estava mais lá. Chorei. Corri de lobos e depois apaguei. Não sei até que ponto as lembranças são reais, minha cabeça girava sem parar e tudo não passa de sensações do que posso ter sentido ou vivido.

      Comecei a me sentir tonto, resolvi sentar ao lado de uma pedra. Tudo doía, era como se cada parte do meu corpo se transformasse em pedras de gelo – exceto por minha cabeça, esta queimava. Também doía, mas nada se comparava ao que sentia por dentro. Era como se alguém me estrangulasse, a cada segundo respirar se tornava mais difícil, não sabia o que fazer.

       Ah, Louise, por que fazer isso? Por que continua me matando um pouco mais desde o minuto em que te conheci? Tenho lhe procurado há tanto tempo, que me perdi de mim. Só preciso te encontrar, não sabe que te espero perto dos pinheiros? Eles estão cobertos de neve, mas são como dosséis, você vai gostar, estou certo disso. O lago! Você sempre gostou do lago, agora escuto-o chamar seu nome. Volte por ele, se não por mim. Gritei e chorei, até não aguentar mais. Ouvi dizer que a dor vai embora quando a coloca para fora. Tentei expulsá-la, mas o efeito não durou muito, logo me afogava de novo.

      Uma voz. Escutava uma voz e eu a conhecia. Dizia que estava vindo me buscar, meu pai vinha me buscar. Estava bravo – furioso! -, porque não o obedeci: "Tentei avisá-lo para não se perder nas selvas, fiz de tudo para alertá-lo, mas nada adiantou!", ele gritava, sua voz ecoando nas paredes de meu cérebro. Estava vindo me buscar, porque há regras nesse mundo que não podem ser quebradas e, aparentemente, quebrei várias delas. Vi o fim do mundo, falei com meu fantasma e vi quando te levaram, apesar de não saber quem são. Eu sabia demais e pouco tempo me restava. E se me restava tão pouco, devia mostrar a que vim a tempo.

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Lost in your strange trailsWhere stories live. Discover now