Capítulo 1 - Eu não quero parecer gay

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Não estava silencioso porque o vento fazia barulho ao passar pelo fino vão da janela da sala. Era tarde da madrugada, em torno de 4h da manhã, quando as ultimas risadas de alguma piada sem noção de Richie fora contada, e todos deram suas risadas, estas que foram enfraquecendo e sumindo a partir do momento em que caíram no sono.

Stan foi primeiro. Estava perto de Bill, seus joelhos se entrelaçavam debaixo do cobertor, o que ajudava a esquentar no frio que reinava a cidade na semana que se passara. Logo em seguida o dono da casa, Bill, dormiu com um semblante de risada ainda nos lábios. Estava claro que eles seguraram o sono até o máximo que conseguiram, e quando Richie chamou a atenção de todos uma outra vez e ninguém respondeu, achou que era o único que restava acordado.

"Ótimo, só sobrou eu, como sempre." Resmungou baixinho. "Que bando de fracassados, não conseguem nem ficar acordados até amanhã."

"Ei, eu não dormi ainda!" Soou uma voz fina, Eddie virou o corpo todo para ficar de lado e encarar o moreno em sua frente. "Não sou um fracassado."

"Eu não consigo ver a sua cara sem óculos," comentou Richie "mas tenho certeza que já está tão amassada quanto a sua camisa de pijama de rendinha que você trouxe!"

"Não são rendinhas, são bordados, eu já falei!" As bochechas de Eddie ficaram instantaneamente vermelhas enquanto protestava a injustiça. "Minha mãe quem bordou!"

"Será que ela bordaria alguns pijamas meus também?? Quero parecer uma mocinha igual você!" Soltou uma risada baixa para não acordar os colegas, que já estavam em altos sonos.

"Cala a boca, seu babaca." Eddie suspirou profundamente, não demorou muito ao completar: "pareço mesmo uma mocinha? Quero dizer, não quero parecer viado. Sabe, homossexual. Gay. Você sabe o que eu quis dizer."

Richie não queria, porém ainda sem perceber acabou demorando um pouco mais do que deveria para responder essa pergunta, que nem ao menos entendera ao certo o que queria dizer. Não estava nada confortável em falar sobre isso, muito menos com... Ele.

"Não, cara, não to entendendo o que você quer dizer. É claro que você não parece uma mocinha, eu tava te zoando, besta." Revirou os olhos, em uma tentativa de parecer indiferente ao que estava sendo tratado.

"É que sabe. Você sabe. Eu não sei, é que... Sabe." Eddie passou os dedos pelo cabelo, bagunçando o topete, depois coçou a cabeça com angústia. "É que eles são geralmente doentes né? Os... Gays? Eles beijam e pegam AIDS?"

"Claro que não, daonde você ouviu isso?" Richie realmente queria que eles mudassem de assunto. Seu coração estava gelado, batia mais devagar do que o normal, ao mesmo tempo em que ele piscava os olhos tantas vezes quanto se era possível, como se tentasse focar no presente para ele tentar passar mais rápido. "Beijar e pegar AIDS? Ta louco? Não se pega pelo beijo. Você é virgem mesmo, né, nem sabe como se pega uma doença que chama sexualmente transmissível."

"Ah." Seu ah foi seco e surpreso ao mesmo tempo, como se tivesse acabado de descobrir muitas coisas que clareassem sua mente. Richie não enxergava direito, no entanto conseguiu ver um vulto escuro levantando, que era Eddie sentando no colchão no meio da sala de estar de Bill. "Você sabe que eu sou virgem sim, Richie, e sou virgem de boca também, eu ja te contei que nunca beijei ninguém antes. E eu... Parece estúpido, só que eu tenho muita curiosidade."

O coração antes congelado de Richie agora começava a ter batidas irregulares e com uma frequência aumentada. Os olhos que antes piscavam loucamente agora pareciam fixados em um só vulto borrado: Eddie. Tentou arrumar o óculos por costume do nervosismo, mas esquecera de que eles não estavam em seu rosto, portanto esticou o braço para pegá-los em cima do sofá enquanto falava.

"Você tem curiosidade? Quero dizer," colocou os óculos nos olhos e segurou-os com o indicador e o dedão, com toda a força que lhe era possível "é melhor você treinar mesmo, porque aí quando for beijar alguém pra valer, já vai saber o que fazer, né?"

"Isso, que bom que você entendeu o que eu quero dizer!" Eddie completou logo em seguida, Richie engoliu seco, a boca entreaberta. "Assim, não posso falar sobre isso com qualquer um, ou vão achar muito esquisito, vão achar mesmo que eu sou... Gay... E que tenho... AIDS..." Suas palavras saíram meio falhas, tentava encaixar o sentido nelas, mas nada tinha muita noção naquele instante. "Mas eu posso falar com você porque você entendeu!"

"Sim, sim, eu entendi!" Richie ousou se inclinar alguns centímetros mais perto do amigo, agora mal sentia seus pensamentos. Estava a mil. "E posso te ajudar a treinar também, em segredo, claro, não vamos contar pra ninguém..." Aproveitou pra complementar, com uma risada: "e não vamos pegar AIDS."

"Serio? Você treinaria comigo? Eu..." Eddie ficou momentaneamente sem fala, um tanto quanto nervoso. Passou a língua pelo lábio inferior e olhou para baixo, Richie parecia estar mais perto de alguma forma e ele não percebera quando o menino se aproximara.

Assim que Eddie passou a língua por seu lábio, Richie sentiu seu coração bater tanto, tanto que parecia estar em vários lugares de seu corpo ao mesmo tempo. Tinha um coração próprio para seu peito, um para cada uma de suas mãos, um para suas pernas -e como havia perdido a força nas pernas!-, um para seu estômago, e um para... Bem, tinha um coração batendo especificamente em seu lugar mais sensível. Não era possível que aquilo estava acontecendo. Ele tinha que dizer algo? Eddie parara de falar fazia alguns bons segundos quando, do nada, desatou a discursar:

"Não quero que dê errado a primeira vez que eu beijar uma pessoa que eu quiser namorar por isso acho uma boa ideia fazermos isso mas também não acho que seja bom a gente contar pra ninguém especialmente para os meninos e se minha mãe ficar sabendo ah se minha mãe ficar sabendo eu vou cair duro cair d-u-r-o eu to te falando mas será que é mesmo uma boa ideia talvez meu primeiro beijo deveria ser meu primeiro beijo mesmo ou então eu..."

Richie soltou uma risada baixa, leve como um silvo de gato, e em um único movimento se aproximou de Eddie e o beijou. Foi o momento mais corajoso de toda a sua vida, entretanto após ouvir tudo aquilo, ficou certo de que Eddie também estava nervoso. Talvez não tão ansioso quanto ele, mas um pouco. Deixou suas mão nas próprias pernas, meio ajoelhado, e mesmo assim permaneceu um pouco mais alto que o menino, que estava em estado de choque.

Eddie, chocado, mal correspondeu ao beijo nos primeiros segundos. As mãos esticadas, sem saber onde colocá-las, aos poucos foram relaxando e se levaram para o rosto de Richie, mas não ficaram ali; seus dedos foram até a nuca do garoto que usava óculos e entrelaçaram alguns fios de cabelo. Finalmente conseguira sair do estado catatônico inicial para seguir o fluxo do beijo.

Quantos corações batendo em um só corpo vivo uma pessoa pode ter? Richie deveria ter cinco batimentos cardíacos só em seu estômago, que deu uma reviravolta no momento em que sentiu os dedos de Eddie em sua nuca, brincando com seus fios de cabelo. O que estava acontecendo?? O beijo, que estava simples e superficial até o momento, merecia ser levemente aprofundado. Richie esticou seus braços e colocou as mãos na cintura de Eddie, e com isso, também introduziu a língua no beijo.

O que estava acontecendo?? Se perguntava Eddie. Seu corpo todo estremeceu quando sentiu as mãos de Richie em sua cintura, elas deveriam estar ali? Perai, aquela língua deveria estar ali??? Eddie afastou, confuso.

"Acho que já está bom?" Sua afirmação soou como forma de pergunta.

"Acho que a gente ta só começando..." Richie sussurrou.

"Não, Richie!" Eddie colocou uma mão no peito do amigo, ficando levemente corado com a reação dele. "Os outros podem acordar. Realmente acho que já ta bom por hoje, ok?"

As palavras "por hoje" ecoaram na cabeça de Richie, que sentiu um fogo de esperança. Ele riu baixo e deu um selinho em Eddie, depois se tacou de costas no próprio colchão, as mãos já nos óculos para tirá-lo, enquanto respirava fundo para acalmar todos os seus múltiplos corações.

"É, até que não foi um beijo ruim, Eds! Pro primeiro beijo, quero dizer..."

Eddie ainda ficou ajoelhado por um tempo, ouviu o comentário do amigo e ficou ainda mais ruborizado. Deitou no próprio colchão e colocou a mão no lábio.

"É..." Desenhou um sorriso no rosto. "Não foi ruim, mesmo."

Só em noites do pijamaWhere stories live. Discover now