14. freedom's just another word for nothing left to lose.

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Até onde se lembrava, Chaeyoung sempre foi apaixonada por leitura.

Toda criança, ao aprender algo novo, se torna fissurada por aquilo, guiada pela curiosidade e pelo fascínio de descobrir mais uma pequena porcentagem do mundo tão grande e tão difícil de entender. E isso se sucede até que não haja mais nenhuma novidade, e então passa para outra descoberta, tão mágica quanto a anterior aos pequenos olhos. É como a infância acontece.

Chaeyoung aprendera a ler com seis anos. E sempre enxergava algo incrível na forma que se juntavam as palavras, e em como, toda letra nova que aprendia, era como algo adicionado aos seus olhos que desbloqueava visões outrora incompreensiveis. Ao descobrir como juntar as sílabas, passou semanas procurando por palavras em qualquer superfície que encontrasse, as lendo em voz alta e provando da sensação de decifrar algo. Desde jornais, placas de rua e os catálogos de plantas que sua mãe colecionava no basculante da cozinha, nada escapava.

— Eu pre-ci... so fazer — leu a revista em quadrinho devagar, com o pequeno indicador passando pela folha de aspecto acabado logo abaixo da linha para ajudá-la a não se perder. — um anún... cio im... por...? Unnie, como se lê essa palavra?

Estavam as duas estiradas no tapete do chão do quarto de Alice, comendo o sorvete da sobremesa escondidas enquanto Punky Brewster reprisava na TV, como andavam fazendo em todas as tardes tediosas de domingo depois que a mãe se tornou debilitada. Antes, eles sempre passeavam em família para algum lanche ao ar livre.

— Importante — Alice respondeu de imediato ao desviar a atenção de suas palavras-cruzadas e olhar a tirinha. E isso nunca falhava em deixar Chaeyoung maravilhada.

A pequena garota a fitou com os olhos arregalados e um sorriso; ela sempre seria a pessoa mais inteligente do mundo inteiro para si.

— E essa daqui? — apontou para a outra, tão difícil que as letras pareciam embaralhadas em algo sem sentido.

— Ido-la-trar.

Chaeyoung idolatrava Alice.

Após se cansar de ler as mesmas tirinhas da Blondie que ficavam guardadas no armário da sala, passou para os livros didáticos do colégio. Mas estes eram simples demais, com uma linguagem facilitada. E ela queria um desafio, queria poder ser tão legal quanto a irmã. Então passou a entrar escondida no escritório do pai todas as noites para surrupiar seus livros profissionais de medicina e levar até a cama para ler.

Ela não entendia absolutamente nada do que estava lendo, além da estrutura das palavras em si, mas já se sentia o máximo por isso. E, também, haviam imagens emocionantes em algumas das páginas.

Foi em um desses livros, um sobre a neurociência, que Chaeyoung viu sobre uma coisa chamada "condicionamento operante", de Skinner. E as imagens de testes de laboratório com roedores lhe chamaram atenção. A ideia basicamente enunciava sobre o comportamento dos seres vivos, e na forma em que a repetição de certos atos dependem unicamente das consequências que ele vai ter, e não de nossa linha de pensamento ou de nosso humor. Coisa que ela só viera a entender anos após: se nos faz bem, iremos repetir, se não, nós paramos. Como um rato em um labirinto, — mesmo que ela achasse esse método cruel e frio — que entende que, ao apertar o botão azul, ganha comida, e ao pressionar o vermelho, recebe um choque. E então ele sempre apertará apenas o azul.

Estamos sempre atrás da satisfação externa, e apenas dela.

Aos dez anos, Chaeyoung entendeu que o vício humano por substâncias químicas funcionava nessa mesma linha ao ver o que aconteceu com a própria mãe. E ao não poder fazer absolutamente nada para impedir isso.

Polaroids & Stereos | ChaelisaOnde histórias criam vida. Descubra agora