Majestade Dividida

Capítulo 1

O sol nascia em Dantel mais uma vez, anunciando o começo de um novo dia, tanto para nobres como para plebeus. Não era um dia de descanso, nem sábado ou domingo, mas uma bela terça.

Na segunda, Ibrahim tinha deixado trabalho para o dia seguinte então foi por isso que se apressou na manhã de terça para retomar suas funções. Dispensou os criados e se vestiu gastando o tempo necessário para estar apresentável, nem de mais nem de menos. Só pediu que o mordomo, Iacer, verificasse se tinha alguma imperfeição em seus trajes.

-Apenas uma pluma senhor - disse o velho homem a Ibrahim, retirando o pequeno incômodo de seu colete o alisando.

-Obrigado, Iacer e tenha um bom dia - o homem mais jovem inclinou a cabeça rapidamente, indicando sua gratidão.

-Um bom dia para o senhor também - respondeu o mordomo, vendo o rei partir de seu aposento real.

Por onde Ibrahim passava, cumprimentava as pessoas, assentia para elas e ouvia com um sorriso cortês nos lábios a resposta deles.

Na sala real, a situação não foi diferente. Os criados se inclinaram imediatamente a ele, só que muito mais calados. No trono, Ibrahim não viu Apollo, o que o deixou frustrado. Antes de suspirar, ele se segurou. Sentou-se do outro lado do trono e começou a esperar.

Por ele, começaria a abrir a sessão de ouvidoria agora mesmo, mas isso não era o correto a se fazer. Ele e Apollo dividiam o trono, aconselhar sem a presença do outro rei seria presunçoso de sua parte. Após alguns instantes, o outro rei apareceu.

Deu um sorriso meio zombeteiro, que era uma das suas marcas registradas, aos criados, ao ver Ibrahim, seu sorriso fechou-se. Apollo tomou uma postura mais séria de rei e tomou seu lugar no trono da família de Saulo.

-Bom dia, Ibrahim - falou ele por educação.

-Bom dia - o outro rei também foi educado com ele.

Viraram-se para os criados, olharam para a entrada lateral e em uma só voz, disseram.

-Abram os portões da ouvidoria!

Guardas do lado de fora abriram os portões, permitindo que o público chegasse mais perto e fizesse uma fila, esperando por sua vez de pedir conselho aos reis.

Ibrahim reconheceu a primeira pessoa da fila, seu nome era Geila, uma senhora do povoado de Val. No dia anterior, o rei da família de Ícaro havia dito que pensaria numa solução para o problema que ela tinha trazido.

Todos os anos, o reino de Dantel celebrava sua fundação, que tinha acontecido há mais de 150 anos atrás. Inimigos vizinhos atacaram e exploraram Dantel até dois nobres amigos armarem um complô contra seus opressores, livrando seu povo e sendo aclamados como reis, coroados e reconhecidos pelos dantelianos dessa maneira. Seus descendentes dividiram o trono desde então, dois reis para se ajudarem, cuidarem e protegerem o seu povo em conjunto. Era esse o trabalho de Apollo e Ibrahim, ambos igualmente reis.

E era isso que tinha trazido Geila até seus reis, todos os anos, todo povo contribuía com o mínimo que podia para o banquete coletivo, e se sentiam honrados por poder compartilhar com todo o resto do povo o que tinha. No entanto, a colheita da família de Geila tinha sofrido com uma praga, e ela tinha muito pouco para sobreviver, e muito menos para contribuir, o que a preocupou e a fez buscar auxílio dos reis.

-Por favor, se aproxime, minha cara Geila - Ibrahim foi cordial com ela - creio que está aqui em busca de uma resposta para a questão que me trouxe ontem.

-Sim, senhor, por favor - respondeu ela.

-Pois bem, há uma cesta com mantimentos preparados para que você leve e participe do banquete - explicou o rei.

-Não, não senhor, sabe que não posso aceitar - Geila objetou, sendo extremamente fiel às tradições.

-É claro, me perdoe - Ibrahim verdadeiramente se sentiu culpado e tentou ignorar o risinho de deboche de Apollo - será que... Posso lhe oferecer um trabalho, aqui no palácio? Há... Roupas minhas, gastas, pelos treinos e pequenos combates, se consertá-los, terei o prazer de recompensá-la devidamente, de forma que possa contribuir para o banquete, com o próprio trabalho de suas mãos.

-Sim, sim senhor, eu aceito - a senhora acabou sorrindo diante da proposta.

-Chame por Iacer, ele irá lhe mostrar o que fazer, diga a ele o pedido que lhe fiz - instruiu Ibrahim e guardas acompanharam Geila palácio a dentro.

-Se ela for boa costureira, talvez possa fazer o vestido que a rainha Minerva usará no banquete - Apollo sugeriu e riu em seguida.

-Eu tentei ajudá-la da melhor forma que pude, você sabe das tradições - se justificou o outro rei, completamente irritado com a insolência de seu colega.

-Não se enfureça, Ibrahim, é bom rir ao começar o dia, e além disso, temos uma longa fila para atender - Apollo continuou bem humorado e lembrou seu colega do seu dever.

Os dois reis continuaram aconselhando por toda manhã, até pararem para o almoço. À essa altura, Ibrahim estava cercado pela companhia da família de Apollo, sua esposa Minerva e seu filho Adrian.

O rei da família de Ícaro não tinha família de sangue, seus pais tinham morrido já há um bom tempo, e ele não tinha esposa e filhos. Assim, considerava os descendentes reais de Saulo, sua própria família.

Mesmo assim, Ibraym não conversava muito com eles durante a refeição, toda sua concentração e energia estavam focados em comer logo e estar pronto para suas obrigações. Assim que terminou a refeição, o rei da família de Ícaro pediu licença e já ia saindo quando Apollo o chamou, por seu primeiro nome, sem nada de "meu rei" ou "majestade".

-Sim, meu senhor? - Ibrahim se virou de imediato.

-Me espere para recomeçar as ouvidorias - Apollo pediu, mas num tom aveludado de ordem - lembre-se que esse é um trabalho em conjunto, eu e você governarmos e aconselharmos juntos.

-Me lembro e sei disso constantemente, senhor - Ibrahim então retomou seu caminho.

Sentia um pouco de raiva e remorso, geralmente Apollo deixava esperando quem não lhe convinha atender e todo trabalho mais melindroso de lidar com pessoas ficava com Ibrahim. Era hipócrita de seu companheiro de trono pedir por aquela pausa. Mesmo assim, para não causar problemas, ele fez como lhe foi pedido.