01 - Tá pegando muito peixe, senhor Hemingway?

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#GSTQfic

1989 demorou tanto a chegar que Harry quase acreditou que nunca chegaria. Desde criança pensava sobre este bendito ano, quando finalmente se tornaria um veterano e poderia sair da escola no horário do almoço. Na sua mente mais nova, achava que 1989 era uma utopia quase inalcançável, tão distante que ele não precisava nem ficar ansioso pela vinda, por isso conseguia viver cem por cento do seu tempo no presente, mas, a partir do sétimo ano, algo mudou.

Ele começou a perceber certas coisas e ser cobrado de várias outras, como boas notas, e as velhas perguntas de "o que você quer ser quando crescer?" tomaram outras proporções. Ninguém mais sorria quando ele respondia que queria ser artista, e rapidamente os olhares de orgulho foram trocados por respostas frias como "artista passa fome" ou "você deveria arrumar uma profissão de verdade" e "você pode desenhar como hobby."

Depois disso, foi muito difícil se manter no presente. Harry não sabia se isso acontecia com todo mundo, mas às vezes ele tinha a sensação de não ser real ou de não estar existindo, como se não conseguisse absorver totalmente as coisas ao seu redor. E talvez a principal culpa fosse que ele passava tempo demais perdido nos próprios pensamentos: analisando, se perguntando, arquitetando...

Era muito difícil prestar atenção quando aquilo que estivesse na sua frente não pudesse, de alguma forma, lhe servir para alguma ideia de quadrinhos.

"Olha por onde anda!" era a frase que Harry mais ouvia em dias normais. Ele rapidamente aprendeu o significado de "estar no Mundo da Lua".

Claro que ele ainda conseguia, por exemplo, se envolver em conversas ou livros que nada tivessem a ver com astronautas, planetas e universos paralelos, mas na maioria das vezes era pelo simples prazer de se distrair quando sua mente estava uma merda. E isso acontecia bastante, para falar a verdade.

Desde o nono ano, quando virou oficialmente um calouro, Harry vivia em constante crise sobre seu futuro, já que não via nada de promissor nele.

— Eu quero ser ilustrador de quadrinhos! — falou aos dez anos, quando sua dicção melhorou e ele aprendeu a dizer "ilustrador" sem que as pessoas pensassem que ele queria dizer "elevador".

A resposta, no entanto, só chegou cinco anos depois. — Essa não é uma profissão fácil. — avisou sua mãe, lavando a louça com luvas de borracha amarelas.

Não foi fácil de entender aquele aviso, também. E enquanto não o entendia por completo, Harry continuou sonhando.

Stan Lee era o seu maior alvo, pois queria ser grandioso como ele um dia, apesar de saber que enaltecer tanto um americano era uma coisa meio anti-patriótica de um britânico fazer. Acontece que Harry era meio ruim nesse lance de ser um bom britânico, porque adorava várias coisas não-inglesas.

A começar pelos filmes de John Hughes, e até hoje discutia com seus melhores amigos, Niall e Liam, sobre quem eles seriam no Clube dos Cinco, porque eles eram um pouquinho de pelo menos dois personagens, e Harry não se parecia com ninguém. 

Claro que haviam características próprias e diferentes, mas se se permitissem generalizar, diriam que Liam era uma mistura entre o "atleta" e o "nerd", porque adorava jogar rúgbi e basquete tanto quanto tirar uma manhã inteira para estudar, e o Niall era uma mistura entre o "nerd" e a "princesa", porque era rico e mimado, mas também tinha um fascínio quase bizarro por jogos eletrônicos, astronomia e filmes de extraterrestres. Enquanto ele não conseguia se identificar com nenhum personagem.

— Você se parece um pouco com o "caso perdido", se te serve de consolo. — comentou Niall, um dia, quando estavam na sala da casa de Liam assistindo ao filme pela quinta vez. — Por causa desse teu jeitão fechado e esquisito, que parece um psicopata às vezes.

God Save The Queer • l.s (HIATUS)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora