A Morte Branca - Parte I

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Ossos despontavam do chão de gelo fosco — um grande auroque com as costelas à mostra, parcialmente congelado dentro da água que chegava a um terço da altura da ravina. As chuvas do verão passado foram intensas, o clima carregado de tempestades que, para alguém supersticioso, teriam sugerido um futuro obscuro. E os presságios estariam certos. Antes do fim do verão a Morte Branca desceu dos céus, trazendo consigo a nevasca. Agora, em pleno outono, os Picos Nublados pareciam as cordilheiras do Norte distante, as quais somente os mais preparados ou tolos ousavam desbravar.

— Fiquem todos juntos. — Brunhild, a líder da expedição, ordenou às duas dúzias de guerreiros à sua frente. Parada sobre uma rocha despontando do gelo, a anã ficava mais alta que quase todos os presentes, imponente em sua armadura de brilhantes placas de aço. — Seria fácil perder-se nessa névoa e a ravina tem tantos caminhos que passaríamos uma semana procurando por seu corpo congelado.

— Como é? — perguntou Goddrum, estreitando os olhos cinzentos como a própria pele e pondo as mãos em concha nas orelhas de abano. Outros anões o imitaram, e os murmúrios de incompreensão espalharam-se pela tropa até as últimas fileiras.

Brunhild bufou. O vento uivava pela ravina como uma matilha atrás de uma presa, enfiando suas garras geladas por entre as peles que por pouco os impediam de morrer congelados. Se a ventania ao menos dissipasse a névoa ela a teria acolhido como um presente dos deuses, mas não: quanto mais avançavam, mais pareciam entrar no território das nuvens. Do jeito que estava a comandante não conseguia enxergar seus soldados mais distantes e a situação tendia a piorar conforme se aproximavam do lar do dragão.

Ela fez um gesto para que se aproximassem. As fileiras de anãs e anões guerreiros apertaram até ficarem de ombros colados. Os da frente agacharam sobre o rio congelado, dando espaço para os de trás, e os três não-anões permaneceram nos fundos para não atrapalhar a vista de ninguém.

— Quer ajuda? — Talis perguntou, as mãos em volta da boca. Era a segunda mais alta do grupo, abaixo somente de Grisha, mas ninguém esperaria que uma meio-elfa competisse em tamanho com uma meio-orc.

Talis estava entre eles exatamente por poder ajudar em diversas situações: além de saber lutar, a meio-elfa tinha alguns truques nas mangas que os feiticeiros dos Machados Sangrentos não conseguiam imitar, um dos quais era o poder de ampliar as vozes de modo que um sussurro virasse um berro e um grito, uma trovoada. Contudo, Brunhild a dispensou com um gesto da mão.

— Não queremos acordar o dragão. Conseguem me escutar agora? Muito bem. Essa brisa de primavera que encontramos até agora não é nada comparado ao que vamos encarar daqui pra frente. Veem aqueles ossos? — apontou para o auroque parcialmente devorado. Tinha tamanho suficiente para puxar um carro de bois sozinho e mesmo assim as marcas de dentes em sua carne pareciam desproporcionais, imensas. — Não passa de um lanchinho que o dragão guardou pra mais tarde. Meus caros, entramos oficialmente no território da Morte Branca.

Ela deixou que o peso das palavras assentasse em suas mentes como a neve que acumulava nos ombros.

— Estamos mortos. — Goddrum quebrou o silêncio, sentando-se na cabeça do bovino. Era o terceiro em comando, mas apenas porque seu pessimismo o tornava um péssimo líder. Quando ele deixava isso transparecer aos guerreiros, era ela quem precisava motivá-los:

— Mortos? — ela deu uma risada arrogante, uma que ecoou várias vezes por toda a ravina. — Estamos ricos! O tesouro desse monstrengo vai nos tornar os mercenários mais ricos de toda Faerûn! Imaginem só quanto ouro e diamantes um bicho desses deve ter. Cada um de vocês vai poder comprar sua própria terra e aposentar, se quiserem, e os que ficarem vão ter tantas armas mágicas que os almofadinhas do Grou Branco vão morrer de inveja. Acham que os Punhos Flamejantes ganham dinheiro fazendo patrulha em Portão Baldur? Acham que a Mão Negra ganha dinheiro assassinando reis e rainhas? Isso porque vocês nunca viram um matador de dragão. Isso sim é tesouro de verdade, isso sim é glória de batalha! Por Moradin!

— Por Moradin! — ecoaram os anões, gritando e batendo nos escudos. — Por Clangeddin!

— Por Gruumsh. — Talis inclinou-se para a meio-orc, mal sendo ouvida na balbúrdia dos companheiros.

Sem olhar, Grisha devolveu uma cotovelada dolorida em suas costelas.

— Não fala essas coisas, metade desses anões tem um gosto por matar orcs.

— Você não é orc, é só metade. E eles estão mais preocupados com o dragão.

Foi a vez de Grisha rir.

— É sempre assim, mas só até verem o tamanho dele. Quando a fúria da batalha começar, o dragão não vai nem saber o que o atingiu.

— E você não tem medo? Nem um pouquinho? — a meio-elfa quis saber.

— Não. Sou adrenalina pura.

Talis não conseguiu evitar uma gargalhada, tão forte que fez sua barriga doer.

— Ei, vocês duas! Andando! — Brunhild as chamou para que se juntassem ao restante do grupo. Ainda parada sobre a rocha, assistindo a movimentação da tropa, se dirigiu às duas quando passaram diante dela: — Vou precisar de voluntários para escalar a ravina e ver o que há acima. Topam?

Em resposta, Grisha estalou os dedos, expondo orgulhosamente suas presas.

***

Olá! O que achou do início dessa jornada? Ela vai se estender por mais seis capítulos com a ação e a exploração que qualquer RPGista adora. Essa história se passa no cenário de Forgotten Realms, o mais popular do D&D, e espero que faça jus à aventura que a inspirou.

Se gostou, deixe seu voto e um comentário, e até o próximo capítulo!

A Morte Branca [D&D] [Completo]Where stories live. Discover now