A Morte Branca - Parte VI

25 6 0
                                    

O largo túnel logo afunilou e se dividiu em passagens menores, com a passagem principal mergulhando vertiginosamente para as profundezas escuras da montanha a pouco mais de cem passos da entrada. Grisha se aproximou da beirada, adiantando-se de Talis, que portava sua espada com uma luz mágica, e contando com sua visão no escuro para não tropeçar. A beirada inclinava-se para baixo perigosamente, o gelo liso ameaçando fazê-la escorregar.

— Só mesmo tendo asas pra descer p... AH!

O gelo abaixo de seu pé fragmentou e deslizou só um pouco, mas o suficiente para que perdesse o equilíbrio. A sola da bota de Grisha não conseguiu mais atrito para sustentá-la, ela caiu sentada e se viu caindo na direção do fosso escuro, gritando até Talis agarrá-la pelo colarinho.

— Puxem!

Os outros anões a ajudaram a iça-la até o terreno plano. Grisha arfava, os dedos brancos apertando o cabo do machado na mão.

— Tu não tem asas, Baukavard. — Goddrum a repreendeu, então virou-se, olhando as entradas dos túneis que haviam deixado para trás avançando daquela forma. — Agora todos os cão-dragão devem ter ouvido você.

— Desculpa, chefe. — ela disse, esfregando os glúteos doloridos pela queda. — Aprendi a lição.

Talis riu, mas parecia nervosa.

— Vamos todos juntos.

Dessa vez Oskar e Goddrum foram na frente, seguidos de perto por Grisha, Tarak e Talis. A lâmina da meio-elfa fazia as paredes congeladas do túnel maior refletirem seu caleidoscópio colorido, mas o túnel menor não tinha gelo, somente rocha cinza e fria. Nos cantos, conforme o túnel serpenteava, havia por vezes ossos de passarinhos e lascas de pedra com as pontas quebradas, abandonadas como lixo. Aquelas se tornaram mais comum conforme avançavam e as marcas de garra que seguiam no chão separarem-se em uma bifurcação.

— A gente se divide ou... — Talis deu uma cotovelada nas costelas de Grisha.

— Não seja besta. Temos que escolher um caminho e esperar pelo melhor.

— Que nesse momento seria achar uns kobolds pra rachar a cabeça! — rosnou Oskar, avançando à frente.

O ruído da tempestade de neve ficara para trás há tempos, e agora eram os passos deles com suas botas pesadas que abafavam os outros sons. Por isso, quando Grisha percebeu que havia algo errado, os kobolds já estavam sobre eles.

— Krutanikah!

Grisha virou para trás a tempo de ver um kobold logo atrás deles, em pé no meio do túnel, ladeado por meia dúzia de outras criaturas, pelo menos metade com asas nas costas. Contudo, o kobold à frente tinha a boca escancarada e um jorro de ar frio partiu dela.

— Rah! — Grisha urrou enquanto se jogava de lado, ombro esquerdo na parede, evitando que o sopro de magia gélida a atingisse em cheio. Seu machado raspou no chão, ergueu e acertou o queixo do kobold, fechando sua mandíbula com o impacto e o jogando para cima. Sangue manchou seu rosto mas o mundo já estava tingido de vermelho pela sua fúria.

Os outros mercenários não foram tão sortudos e uma camada de gelo pontiagudo os cobriu por inteiro. Tarak gemeu de dor, as pálpebras congeladas e mantendo os olhos abertos. Talis tinha cristais de gelo pendurados no braço que usara para proteger o rosto, as pontas perigosamente voltadas para ela como se sopradas por um forte vento.

Goddrum disparou uma flecha contra um dos kobolds, mas esta retiniu em seu escudo feito de grandes escamas acinzentadas. Enquanto recarregava, Grisha entrava em meio a eles sem pensar se Talis ou os outros a seguiriam. Desferia golpes à esquerda e à direita, suportava pancadas e perfurações com a mera força de seus músculos enrijecidos e resiliência à dor. Com um golpe de cima para baixo jogou o escudo do kobold ao chão, não quebrando a proteção mas sim o braço da criatura. Um seta precisa o atravessou logo em seguida, Grisha avançou mais, trocando golpes e levando mais dois ao chão então se virou, procurando por mais inimigos.

Na outra extremidade do túnel seus companheiros estavam agarrados em um combate intenso. Talis estocava por entre os ombros dos dois kuldjargh, Tarak tentava atingir um par de kobolds alados e Oskar dividia a atenção entre um escudeiro e um dragonete. Grisha pulou e rasgou a asa de um kobold que tentou voar acima de sua cabeça. Ele atingiu a parede e uma adaga rolou de sua mão. Ela pisou em sua garganta e empurrou Goddrum de lado para avançar. Com sua altura vantajosa, acabou com os kobold que Tarak não alcançava, fazendo Talis e o anão vibrarem. Dois kobolds fugiram, deixando o dragonete para os bárbaros finalizarem, mas a fúria dentro de Grisha crescia, e ela queria mais sangue.

O dragonete a atingiu com uma chicotada da cauda, rasgando a manga de seu casaco de peles. Logo em seguida Oskar o prensou contra a parede com sua armadura, fazendo-o agonizar até que fosse finalizado pela ponta do ugrosh.

— Grisha, espera a gente! — Talis a chamou, mas a bárbara continuou a avançar.

Um kobold alado gritava estridente, raspando a cabeça no teto, dançando no ar de um lado a outro na tentativa de desviar dos golpes de machado. Até o momento ele havia sido bem-sucedido, arrastando Grisha atrás dele para os túneis mais profundo, obrigando os outros a correrem para acompanhá-la. Por fim ela agarrou seu rabo com a mão e o puxou para baixo. O kobold deu um grito ee o machado enterrando-se em seu esterno o calou. Não havia mais inimigos à vista, somente o rastro de sangue do seu caminho, e o frenesi de Grisha chegou ao fim.

Os outros a alcançaram, arfando e soltando nuvens de vapor.

— O que é isso? — murmurou Oskar, e Grisha virou para a direção que o anão apontava.

O túnel vinha se abrindo há um tempo mas agora alargava abruptamente, criando uma caverna cujas entradas estavam iluminadas por velas mas que o resto era tão distante que a luz não chegava. A caverna parecia vazia, exceto por uma comprida parede rochosa que a cortava no meio, toda entalhada.

Adentraram com armas em punho e passos cuidadosos. O vapor que emergia de suas respirações mal se fazia presente na névoa espessa da caverna, que limitava sua visão a pouco mais de alguns metros. Acima, o teto estava tão distante que somente as pontas aguçadas de estalactites pendentes podiam ser vistas, refletindo a parca luz.

Talis parou, puxando Grisha para trás.

— Passos. — sussurrou em seu ouvido, gesticulando para trás, para o túnel do qual vieram.

Grisha também ouviu, e alertou os outros em sussurros ríspidos.

— Parem, estamos sendo seguidos.

Pararam sua marcha adiante, voltando-se para a entrada do túnel, vários metros distante. Os passos ficavam cada vez mais audíveis.

— Voltamos ou ficamos? — Tarak perguntou, recuando com o ugrosh na frente do corpo. Estava ferido da batalha anterior, sangrando por baixo do braço.

— Protejam as costas e preparem-se para lutar aqui. — disse Goddrum, recarregando a besta com um clique.

Ele e Talis ficaram atrás de Grisha, no centro, e Tarak e Oskar de cada lado. Uma luz cresceu na entrada do túnel, Goddrum fez a mira. O rumor da aproximação fez a caverna tremer, mas parecia errado. Talis recuou instintivamente, costas contra a parede atrás de si, e a parede se mexeu.

A Morte Branca [D&D] [Completo]Where stories live. Discover now