A Morte Branca - Parte IV

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Embrenharam-se mais na mata pela manhã. O grupo de batedores formado por Cadan e três anões encontrou velhas trilhas usadas por caçadores antes da Morte Branca chegar. O inverno sobrenatural não deixara que vegetação as encobrisse, mas a grossa camada de neve tornava difícil prosseguir mesmo por essas trilhas. Ascenderam colinas de altitudes cada vez maiores, aproximando-se cada vez mais das montanhas dos Picos Nublados que delimitavam o vale. Pontiagudos e malhados de branco e cinza, erguiam-se tão alto em direção ao céu que o sol apareceu somente ao se aproximar do meio-dia, quando pararam para uma breve refeição.

— É lá que vivem os gigantes. — disse Goddrum, sentando-se entre Talis e Grisha em um tronco caído. O anão tinha a barba e bigode sujos de sopa escura e segurava uma tigela nas mãos, emanando vapores de aroma avinhado.

As duas mercenárias abriram espaço e observaram a muralha de montanhas pedregosas as quais ele se referia.

— E você por acaso já viu um gigante? — Talis deu a oportunidade para ele continuar a falar, como sabia que o anão queria.

Goddrum bufou.

— Se já vi um gigante, se vi! Já matei gigantes, Talis Meia-elfa, de muitos tipos, por sinal. Um deles tinha pelo menos três Grishas de altura, talvez três Grishas e mais meia Talis. — O anão fez um gesto abrangente, com olhar distante e o rosto corado. — Eles moravam no topo dessas montanhas e às vezes os clãs anões queriam escavar o chão de suas casas, tem muitas jóias por lá. Os gigantes não gostavam da gente, então a gente tinha que matar eles. Às vezes eles desciam das montanhas pra matar a gente por vingança, e assim era a vida.

Cadan, encurvado sob o peso do couro de um urso inteiro, aproximou-se do grupo e acocorou-se com sua tigela em mãos. Bebeu a sopa grossa e quente sem parecer ligar para a temperatura fumegante e, limpando a boca, falou:

— Eu tenho um ancestral gigante sabiam? É daí que vem meus poderes. "Alma de Gigantes", é como chamam.

— Bah! E de que isso serve? Ser baixo e parrudo é muito melhor, tu corta os tendões dos teus inimigos e eles ficam da tua altura! — esbravejou Goddrum, e os três não-anões caíram na risada. Por fim, o imediato de Brunhild cedeu e riu junto com eles.

Grisha ergueu a caneca até a boca e a finalizou fazendo barulho, estalando os lábios de satisfação.

— Então é pra isso que trouxemos tantas rodas de queijo!

O anão abriu um sorriso largo.

— Queijo de cabra do clã Ouromontês, nosso maior orgulho. Toda a gordura que você precisa pra aguentar esse frio e amargo igual a vida. — Ele cutucou Talis com o cotovelo. — Se eu fosse tu eu comia mais, tá precisando botar um peso pra ficar grande igual a tua amiga. A Grisha não deve sentir frio. Tu também, ô Gigante. — apontou com a colher de pau para Cadan. — Começa a comer igual um anão e quem sabe eu acredito na tua história.

— Eu vou presumir, Cadan — teorizou Talis —, que o seu ancestral foi um gigante do fogo.

O ruivo sorriu e, de uma hora para a outra, seus olhos se iluminaram com a chama de uma forja acesa.

— Todo mundo pronto? — gritou Brunhild. — Não comam demais, temos muito chão pela frente!

Ainda era dia, mas não por muito mais tempo, por isso Brunhild estava com pressa.

— Entrem logo, andem, andem! — Empurrava um por um para dentro da caverna, fazendo questão de que todos ficassem a salvo da nevasca.

— De onde veio isso? — lamentou Tarak. Cristais de gelo haviam juntado em toda sua barba, somando-se ao espetos de metal propositalmente enfiados ali. — Dez minutos atrás dava pra ver o sol...

— É o dragão. — disse Talis, soturna. — Quanto mais nos aproximamos de seu covil, mais sentimos os efeitos mágicos que ele causa em volta do seu lar.

Tarak olhou por cima do ombro, para as paredes de rocha acinzentada e para o teto cheio de estalactites estreitas pendendo como facas. Grisha continuava na porta da caverna, uma mão cobrindo o rosto para proteger-se do vento e os olhos fixos em Brunhild, ainda em meio à nevasca.

— Não vai entrar, comandante?

Ela não a respondeu. Em vez disso, dirigiu-se ao seu segundo em comando.

— Cuide deles até eu voltar, Goddrum.

E, com isso, desapareceu em meio à tempestade de neve.

— Onde ela vai? Ficou maluca?

— Os batedores ainda não voltaram, Grisha. Ela vai buscar eles.

Grisha bufou, indignada.

— Ela vai se perder nesse mau tempo! Não dá pra ver um palmo da frente do nariz, impossível encontrar alguém perdido.

— Confia na comandante, ela vai encontrar o caminho de volta. Por que não senta e...

— Talis! Preciso de uma luz!

Um trio de guerreiros estava nos limites da escuridão da caverna, onde mesmo a visão aguçada dos anões, elfos ou orcs tinha dificuldade de enxergar. Um deles acenava para que Talis se aproximasse e, quando ela foi, a meio-orc a seguiu.

Talis tocou o machado de um dos anões e a lâmina brilhou, desfazendo as sombras por vários metros ao redor. A luz refletiu nas paredes cobertas de gelo, lançando de volta um arco-íris de tons. Os anões tocaram as paredes admirados.

— Parecem gemas... — murmurou uma das guerreiras.

Grisha aproximou o rosto, a expressão fechada

— Tem alguma coisa aqui dentro. Tragam a luz mais perto.

O portador do machado o ergueu próximo à parede. A luz penetrou o gelo translúcido e revelou com clareza uma forma negra, solidificada. Era uma pessoa, uma humana vestida como uma caçadora, coberta por peles cinzentas e com uma lança partida em mãos. Seu rosto estava ferido, os olhos arregalados e a boca aberta.

— Tem mais, vejam só. — Talis os chamou do outro lado do túnel.

Aproximarem a luz mágica revelou mais criaturas presas no gelo: lobos de pelagem escura, caribus com chifres quebrados, carneiros das montanhas maiores que uma pessoa adulta. Todos tinham marcas de perfurações nas quais o vermelho do sangue ainda estava exposto e vívido.

A meio-orc tocou a parede.

— Lisa. Parece um vidro de exposição.

Tarak passou por ela e deu um chute no gelo, seguido de um riso debochado.

— Uma exposição? Pra que um dragão mostraria seus troféus de caça? Ah.

Talis assentiu.

— Essa deve ser uma entrada do covil da Morte Branca. Temos que nos preparar para o pior.

— Isso inclui olhos no escuro? — Grisha perguntou, segurando seu machado com as duas mãos, encarando de volta as dúzias de órbitas azuis que vinham em sua direção.

A Morte Branca [D&D] [Completo]Where stories live. Discover now