A Morte Branca - Parte III

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Chegaram ao fim da ravina antes do cair da noite. O rio sinuoso alargou e endireitou próximo do seu fim, uma cascata estática com dezenas de metros de altura. A cortina de água congelada espalhava-se em um lago de bordas irregulares, salpicadas de pedras e margeado por grandes pinheiros de copas brancas. Próximo à cachoeira a ravina diminuía de tamanho, formando trilhas pelas quais puderam deixar a superfície do rio e buscar por uma clareira onde montariam acampamento.

Os batedores que exploravam o caminho à frente retornaram com a localização de um bom local para passarem a noite. Eles também entraram em confronto com os dragonetes brancos e encontraram pegadas menores, que assumiram serem de kobolds. A palavra armadilhas espalhou-se ao longo das colunas da tropa e todos avançaram com a atenção redobrada. Contudo, chegaram à clareira sem nenhum percalço e puderam montar um acampamento capaz de resistir ao frio da noite.

Armaram três círculos de barracas em torno de fogueiras altas, em uma clareira junto a um paredão que os protegia de parte do vento. Para aquecerem-se por dentro, prepararam caldos espessos e compartilharam bebidas, todos sentados bastante próximos dividindo os cobertores. Quando estavam todos servidos, Brunhild ficou em pé e bateu em sua caneca de metal para chamar a atenção.

— Amanhã devemos chegar no covil do dragão. Espero encontrá-lo durante o dia, mas estejam preparados para lutar de noite ou na escuridão de uma caverna. Talis e Cadan podem nos ajudar com isso.

Todos ergueram os canecos de conhaque para a meio-elfa e o humano que, depois de voltar da patrulha, juntara-se novamente à companhia. Era um feiticeiro usando tantos casacos que praticamente desaparecia sob eles, mesmo tendo uma grande habilidade com magias de fogo.

A comandante continuou:

— Quero que saibam mais sobre a Morte Branca antes de a enfrentarmos. — Seu olhar tornou-se sério e ela bebeu mais um gole. — Enfrentar um dragão não é fácil. Suas garras rasgam armaduras, seus dentes quebram escudos, suas caudas esmagam ossos e até mesmo suas asas são armas. Muitos preferem lutar enquanto voam, então é preciso derrubá-los ou atraí-los ao chão para poder ficar cara-a-cara. Mas o pior de tudo é que eles são mágicos. — Brunhild andou entre sua tropa, olhando nos olhos de cada um enquanto falava. — O sopro de um dragão pode derrubar um exército despreparado de uma vez só. Um dragão branco tem gelo e ventos de inverno dentro das tripas, e isso sai como uma nevasca que, se atingir vocês em cheio, os transforma em estátuas de gelo. Por isso, protejam-se atrás dos escudos quando o virem abrir a boca e, aos que não trazem escudos... — ela pousou os olhos sobre Grisha e os outros bárbaros da companhia. — ... bem, escondam-se atrás dos companheiros.

Uma onda de risos percorreu a companhia e Brunhild deixou que acabasse antes de prosseguir.

— Mas eu ainda não falei o pior. Todo dragão sabe usar a magia que tem pra apavorar seus inimigos. Não é simplesmente pelo tamanho ou pela aparência, mas é uma magia que se enfia nas nossas mentes e nos deixa paralisado, faz fugir sem pensar ou coisas piores. Algumas pessoas nunca se recuperam do trauma. Algumas nunca têm a chance, porque não escapam com vida do covil. É mais difícil lutar contra o medo do que contra as garras.

Um silêncio profundo os fez companhia por um longo tempo. As chamas continuaram a crepitar, mas o frio pareceu chegar mais perto. Uma anã quebrou o silêncio com a pergunta que todos se faziam:

— Então o que podemos fazer para vencermos?

— Ter fé em Moradin e seus companheiros, e certeza de que os Machados Sangrentos podem derrubar gigantes e dragões, quebrar exércitos e derrubar muralhas. Pensem nisso, rezem por força e coragem e sonhem com as glórias de amanhã.

Brunhild ergueu o caneco antes de se sentar. O silêncio a acompanhou a princípio, mas pouco a pouco as vozes se ergueram.

— À glória. — disseram alguns, erguendo os punhos e tomando um gole. — À glória! À glória!

Os gritos dos Machados Sangrentos, os maiores mercenários da Costa da Espada, ecoaram através da noite, mostrando a quem quer que pudesse ouvi-los que não temeriam monstros ou a morte.

Não demorou muito para que montassem os turnos de guarda e cada um se recolhesse para a barraca designada. Dormiam em colchonetes, três em cada barraca compartilhando as mesmas peles e cobertores para suportarem o frio da madrugada. Talis, Grisha e Brunhild ficavam na mesma tenda. A comandante não mantinha para si luxos como uma barraca separada ou comida melhor que de sua tropa e escolhera o primeiro turno de vigia. Grisha e Talis estavam sozinhas no abrigo, com pouco da luz da fogueira atravessando para dentro e menos ainda do seu calor.

Após minutos de silêncio, Grisha sussurrou uma pergunta:

— Já tá dormindo?

— Eu sou meio-elfa, eu não durmo. — respondeu Talis com os olhos fechados.

— Mentirosa, você sempre dorme na vigília.

As duas riram baixo, e então Grisha suspirou.

— Acha que vamos ter que enfrentar só o dragão ou aqueles filhotes também?

Talis deitou de lado para olhá-la. O cobertor puxado até o nariz e a touca de lã deixavam somente seus olhos de fora. Pareciam agitados, mudando o foco com rapidez.

— Não eram filhotes, eram outra coisa. — Grisha apertou as sobrancelhas. — Filhotes de dragão tem asas. Aqueles pareciam quase cães de caça, não acha?

— É, talvez. — a meio-orc respondeu, em dúvida. — Então quem estava caçando a gente?

Talis deu de ombros, quase imperceptível sob as cobertas.

— Você ainda é adrenalina pura?

Grisha sorriu, a ponta de suas presas despontando do lábio inferior.

— Meio a meio. O resto é preocupação.

— Você, preocupada? Era só o que me faltava! Então um dragão consegue deixar com medo Grisha Baukavard, a berserker dos Machados Sangrentos?

Os olhos púrpura de Grisha cintilaram na meia-luz.

— Não é medo por mim, besta, é medo por você. — Talis calou-se, encarando-a, processando. Grisha revirou os olhos. — Por vocês todos. Menos por Oskar, porque ele sobrevive a qualquer coisa.

Talis fitou sua amiga por mais um segundo e deixou escapar uma risada. Conteve-se, balançou a cabeça, e as duas explodiram em gargalhadas.

— Vão dormir! — alguém gritou do lado de fora.

Talis lutou para conter o riso, mas Grisha tornava a tarefa difícil. As duas deitaram de costas, a meio-elfa ainda balançando a cabeça.

— Você é inacreditável.

— Quê? Porquê?

Talis não respondeu, mas ainda sorria quando fechou os olhos.

A Morte Branca [D&D] [Completo]Where stories live. Discover now