Capítulo II

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Prudence Hartley era uma moça simples e de aparência comum. Seu cabelo castanho-escuro era sedoso e brilhante, com leves ondas que iam até a cintura, e sua pele clara não possuía maculas ou rugas como a de qualquer moça aos dezoito anos. Mas havia duas coisas que tornava Prudence singular: sua altura maior do que a média e seus olhos que não eram nem de uma cor, nem de outra. Próximo à pupila, podia-se ver um delicado halo esverdeado que resplandecia conforme a luz. Mas na medida em que se aproximava da borda da íris, o verde começava a dar espaço a um azul intenso que faria qualquer um se lembrar do mar em uma manhã de sol. Eram olhos realmente impressionantes, rodeados por uma grossa camada de cílios longos e escuros, mas Prudence os odiava, pois eram iguais aos da pessoa que ela mais temeu no mundo: seu pai, Frank Hartley.

Era estranho pensar assim sobre seu progenitor, mas Prudence jamais conseguiu nutrir sentimentos afetivos por um homem que só lhe fez mal. Frank era agressivo, rude e costumava gastar todo o dinheiro da família no saloon da vila. Além disso, ele parecia ter prazer em maltratar a esposa, Molly Hartley, e não era incomum que usasse de agressões físicas ou humilhações para castigar a mulher. Prudence jamais se esqueceria dos momentos de aflição que ela passou ao lado da pobre mãe, onde o medo era um constante companheiro e a tensão nunca lhe deixava relaxar.

Às vezes ela se perguntava se este não foi o motivo da sua pobre mãe ter morrido tão jovem... Molly Hartley era uma mulher modesta, gentil e resignada. Adorava costurar e cuidava da filha com verdadeiro zelo, mas todas as noites, quando seu marido chegava em casa, ela se transformava em outra pessoa. Passava a ter medo da própria sombra e tentava ser o mais discreta possível para não provocar a fúria de Frank, o que não servia de grande coisa já que seu marido nunca precisou de um bom motivo para maltratá-la, e com o passar do tempo Molly foi definhando. Prudence só tinha doze anos quando a mãe morreu, e apesar do pai dizer que tudo não passou de um acidente, ela sempre teria suas dúvidas...

Sem Molly por perto para humilhar, Frank começou a redirecionar suas explosões de fúria na filha, fazendo com que Prudence fosse seu novo alvo. A menina que antes era vigorosa e brincalhona passou a assumir trejeitos mais sérios, apreensivos e temerosos. Sozinha com o pai, Prudence teve sua infância encurtada e acabou aprendendo cedo que a vida não era fácil, sendo obrigada a sair da escola para assumir as tarefas domésticas. A pobrezinha passava o dia limpando, cozinhando e cuidando da casa enquanto o pai trabalhava na fazenda, mas era de noite que seus pesadelos começavam. Frank costumava chegar assim que o sol se punha, e com ele vinha o medo. Às vezes seu pai se limitava apenas a resmungar sobre o quão imprestável ela era, mas tinha noites em que Frank não conseguia controlar seu mau gênio e acabava partindo para a agressão, e as coisas só ficavam piores quando ela tinha uma de suas crises respiratórias.

Prudence foi refém do terror durante seis longos anos, até que Frank morreu repentinamente ao sofrer uma contusão por ter caído de um cavalo quando estava completamente bêbado. Ela sabia que o correto era chorar pela morte do pai, como qualquer boa cristã faria, mas acabou se surpreendendo ao descobrir que era completamente incapaz de derramar lagrimas por aquele homem. Talvez, bem lá no fundo, Prudence fosse igual a Frank: insensível e desumana. Sim... Talvez tivesse herdado mais do que os olhos do pai.

Com a morte de Frank ela achou que finalmente poderia viver sua vidinha miserável em paz, mas após a leitura do testamento Prudence acabou descobrindo que não poderia herdar as terras de sua família, uma vez que a propriedade estava sob regime de doação restrita apenas a linhagem masculina. Céus, tudo o que ela queria era pegar o pouco dinheiro que fazia parte do seu dote e viver da forma mais honesta e descente possível, mas as coisas sempre estavam fadadas a darem erradas para Prudence Hartley!

E agora ela se via bem ali: em meio à praça da pequena vila de Middleton esperando a chegada de um primo distante que poderia ser a solução de seus problemas ou a criação de novos... Pensar naquilo fez com que se sentisse um pouco sufocada, e de forma histérica enxugou as mãos molhadas de suor no vestido que usava. Parecia que o corpete lhe sufocava e Prudence teve medo de ter uma crise respiratória bem ali, na frente dos moradores de Middleton... Moradores que nunca fizeram nada para ajudá-la!

GreenfieldWhere stories live. Discover now