A amizade

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       Fred lhe chamava ao telefone, insistentemente. Lilia observava o celular vibrando, enquanto Roberta latia, avisando-a de que alguém estava ligando.

"Eu já sei, já sei.", acariciou a cachorra. Em seguida, bloqueou o número do homem. "Eu fiz besteira, Beta.", disse ao animal.

       As palavras da senhora que havia sido traída vieram em sua mente. O que você espera da vida? Você não será feliz assim. Tentava não pensar nisso, mas as frases lhe vinham durante todo o dia e se somavam às que Raúl lhe havia dito também. Cada vez que via Vladmir, essas palavras surgiam. Cada vez que recebia uma mensagem de Nuno, essas palavras surgiam. Cada vez que se lembrava de Raúl, essas palavras surgiam. Pela primeira vez, suas atitudes lhe traziam vergonha e culpa. Tinha destruído uma família por causa de seus caprichos.

       O que lhe dava certa alegria era dar aulas às crianças. Para elas, Lilia era um exemplo, uma inspiração. Adoravam-na. Enquanto conversava e ria com os pequeninos, a mulher conseguia esquecer-se um pouco de quem era, pelo menos por um tempo. Mas, assim que o turno acabava e tinha de ir para casa, dava-se de cara com quem era realmente.

       Lilia saiu praticamente todos os dias da semana. Às vezes com Clara, às vezes sem. Quando a outra não podia ir, ela se aventurava só.

       A professora infantil tomava uma cerveja enquanto observava Rafael cantar e tocar. Ele cantava muito bem. Clara dançava com um amigo que avistou no bar. Um ou outro homem se aproximava, oferecendo-se para pagar uma bebida à Lilia, recebendo sempre uma recusa.

       No intervalo, Rafael conversava com alguns músicos que se apresentava com ele, quando a mulher se aproximou.

"Oi, Rafael.", disse.

"Lilia!", sorriu. "Está tudo bem?"

"Está.", mentiu.

"Sua voz está diferente, aconteceu algo?"

"Não, está tudo bem.", mentiu novamente, surpresa com a habilidade do rapaz."Será sábado, não é? A festa da sua amiga.", perguntou somente para puxar assunto.

"Isso. Que bom que você não esqueceu."

"Eu cumpro com o que prometo.", gostava de ser uma mulher de palavra. Sentia que isso lhe trazia certa dignidade. "Aliás, por que você quer que eu finja que estamos namorando?"

"Longa história.", apoiou sua bengala no chão. "Tenho que ir cantar agora.", disse, evasivo.

"Eu espero, sem problemas.", respondeu a mulher.

       Rafael cantou mais seis músicas, agitando os presentes. O fato de ele ser cego atraía ainda mais fregueses ao estabelecimento, rendendo grande lucro ao dono do bar.

       Lilia esperou pacientemente, indo até ele assim que encerrou o show.

"Oi, Rafael."

"Você ainda está aí?", ele virou-se em direção ao som da voz dela.

"Você precisa me contar uma coisinha.", segurou em seu braço direito e o conduziu a uma mesa livre.

"Não tenho nada para dizer.", rebateu.

"Tem sim. Quero saber por que você quer que eu seja sua namorada de mentira."

"Já disse que é uma longa história.", tentou fugir.

"Tenho todo o tempo do mundo.", respondeu.

       Ele respirou fundo, pensando se deveria dizer ou não.

"Vamos dizer que eu tinha certo sentimento pela aniversariante.", confessou.

"Sabia!", exclamou, interessada na conversa.

Pelos Teus Olhos [COMPLETA]Where stories live. Discover now