O passeio (e as borboletas)

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       Lilia tentou se reconciliar com Clara durante toda a semana. Foi até a casa de sua amiga algumas vezes para conversar, porém, todas as vezes foi tratada com muita rejeição. Sentia que havia perdido de vez sua melhor amiga, desistindo, aos poucos, de forçar uma reconciliação. Entretanto, agradecia à vida por ter Rafael, o único a quem ela não tinha enganado, aliás, não teria coragem de fazê-lo. Ele era o único que a havia despido por completo e isso não tinha nada a ver com a vista física. Ele a via com a alma e isso era suficiente para fazê-la se sentir um pouco gente. Porque, com suas atitudes impensadas, perdia cada vez mais sua humanidade. E Rafael, com sua delicadeza, recuperava-a.

       Como Lilia estava desempregada, sobrava-lhe tempo. Passava horas, enquanto seu amigo estava na universidade, em casa, acariciando os pêlos de Roberta. Quando ele lhe ligava, avisando que havia chegado, ela corria para a casa do rapaz , enfrentando os olhares de reprovação da mãe da mãe dele.

       Lilia não se importava de ficar sentada em um canto enquanto seu amigo estudava. Só de ter sua companhia já bastava. Às vezes o ajudava a repassar a matéria. Roberta era uma convidada assídua e, em várias ocasiões, era descoberta dormindo aos pés de Rafael.

       Ambos se desconectavam, pouco a pouco, de suas próprias realidades e viviam em mundo só deles. Um mundo onde ver não era prioridade. Lilia, sem se dar conta, ia deixando de responder os homens com quem antes ia para a cama. Rafael deixava de sair com os amigos da universidade, para dar longos passeios com sua amiga.

***

       Lilia passava a mão pelos cachos do rapaz enquanto ele repousava sua cabeça no colo dela. Rafael lhe contava sobre a faculdade, confusões no bar ou qualquer coisa que lhe parecesse interessante contar. Sua amiga ouvia, com muita atenção. Ela adorava ouvi-lo.

"E a Isabela?", ocorreu-lhe perguntar.

"O que tem ela?"

"Como está a história de vocês?", forçou tom casual, não querendo demonstrar muito interesse em saber.

"Ela está lá, ué.", respondeu ele.

"Você sabe o que eu quero dizer."

"Sei não.", no fundo, Rafael sabia a informação que ela queria.

"Você ainda gosta dela?", tentou parecer despretensiosa.

"Hmmmm...," fez certo mistério. Queria saber a reação da outra. "Segredo."

"Ah para com isso!", esperou-lhe dizer algo, mas o rapaz não disse. "Gosta ou não?" Insistiu.

"Isso importa?"

"Não, não importa. Também não quero mais saber.", não conseguiu disfarçar um pouco de irritação na sua voz. Acreditava que talvez seu amigo ainda pudesse ter algum sentimento por Isabela.

       Mas, na realidade, ele estava mais apaixonado que nunca por Lilia.

***

        Rafael sentia o vento golpeando seu rosto. As mãos seguravam firmes no guidão enquanto seus pés pedalavam fortemente. O cheiro de xampu do cabelo de Lilia entrava por suas narinas. E ele sorria.

       Sua amiga, sentada logo à sua frente, no quadro da bicicleta, dava-lhe as coordenadas. À direira. Acelere. Espere, freie. Agora continue. Mais rápido. Sem medo, Rafa, você consegue. Acelere! Pedale! Uhuuuu!

       Perto de Lilia, ser cego era apenas um detalhe sem importância, detalhe que nunca lhe pareceu tão mínimo. E ela era mestre em fazer as coisas grandes se tornarem pequenas e coisas pequenas se tornarem grandes.

Pelos Teus Olhos [COMPLETA]Where stories live. Discover now