Droga

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"Olá, Senhorita Martins.", doutora Susuko lhe olhou por cima do óculos assim que recebeu sua paciente no consultório. "Pensei que havia abandonado o tratamento."

"É que eu só quis vir depois de ter cumprido a meta.", respondeu Lilia.

"Então teve êxito?"

"Eu sempre tenho êxito, doutora.", disse ela, confiante.

"Conte-me como foi.", a psicóloga pediu.

       Lilia começou a contar sobre Rafael, falou da amizade dos dois e também da farsa na festa no fim de semana passado. Doutora Susuko anotava em sua ficha algumas observações. O que a paciente lhe contou não era bem o que esperava ouvir. Pensava que escutaria outro tipo de ajuda, como algum trabalho voluntário, alguma doação de roupas e alimentos, qualquer coisa que não fosse fingir ser a namorada de alguém. Porém, a psicóloga pôde observar a empatia da outra por Rafael e isso era o que tentava conseguir explorar em Lilia.

"E esse rapaz, o Rafael...", fez uma pausa e buscou as palavras certas. "Que tipos de sentimentos ele desperta em você?"

"De amizade, ué.", respondeu sem dar muita importância à pergunta.

       Susuko lhe observou, calada. Vendo que a especialista não se pronunciava, ela continuou.

"Eu acho até interessante isso. Ele é o único homem que não me dá vontade de seduzir. Acho que por isso somos amigos."

"E você acha que isso seja por que ele é cego e, por isso, não pode te ver?", a doutora perguntou.

"Pode ser. Não havia pensado nisso.", porém não quis pensar muito sobre. Estava mais focada no êxito que teve em sua missão.

***

       Rafael caminhava pelos corredores da universidade, tateando o piso com a bengala, quando ouviu algumas vozes familiares.

"Fala, Rafael!", dois amigos se aproximaram.

"A noite de sábado foi boa hein.", continuaram. "Como você conquistou aquela mulher, com todo o respeito?", disse um deles.

"Cara, uma pena que você seja cego.", comentou o outro, em relação à beleza de Lilia.

       O rapaz ria. Finalmente havia conseguido tirar a impressão que passava de um jovem solteirão. Estava gostando da fama que havia ganhado na festa. Mesmo que seu coração estivesse partido por saber que jamais teria chance com Isabela.

       Assim que os rapazes saíram de perto de Rafael, ele pegou seu celular e enviou uma mensagem de texto à sua nova amiga.

       Lilia voltava do consultório quando seu celular apitou. Havia uma mensagem de Vladmir, uma de Fred e outra de Rafael. Abriu somente a de seu amigo. Embora houvesse alguns erros e letras digitadas equivocadamente, a mensagem era clara. Ele estava agradecendo pelo favor prestado na festa. Ela sorriu, satisfeita, enquanto relia a mensagem. Missão cumprida.

       Chegou em casa no início da noite, jogou sua bolsa no sofá. Roberta labia-lhe a perna. Lilia a agarrou e a levantou, dando beijos em seu pelo. Trocou a comida do animal, a água, fez uma geral na casa. Quando acabou, estava cansada e só.

       Lilia odiava os momentos de solidão. Odiava viver sozinha. A única amiga que realmente tinha era Clara, porém não sabia até quando a teria. Havia coisas que precisavam ser ditas, segredos que precisavam ser revelados, mas só de pensar em dizê-los, um pânico tomava conta dela, fazendo-a fugir de cogitar tal possibilidade.

       As mulheres evitavam-na. Sentiam-se inseguras. Clara era a única que não receava se aproximar. Os homens somente se aproximavam com interesses. Sua solidão lhe sufocava às vezes e apenas Roberta podia-lhe fazer companhia. Em muitos momentos de sua vida, Lilia gostaria de ser outra pessoa.

Pelos Teus Olhos [COMPLETA]Where stories live. Discover now