Tormenta

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       Fazia horas que Lilia estava deitada na cama. Era madrugada e o sono não vinha. Seus olhos estavam um pouco inchados por causa do choro ao se lembrar do que havia acontecido entre ela e Rafael. Talvez significasse o fim da amizade entre eles.

        Ela olhava ao redor e não via ninguém. Não tinha sequer alguém com quem conversar sobre o ocorrido. Para Lilia, o que aconteceu entre eles era mais sério do que a briga entre ela e Clara. Sem que se desse conta, o rapaz havia ganhado importância demais. E isso era o que mais preocupava. Porque não sabia começar do zero. Não sabia passar um dia sem ligar para ele. Havia esquecido como era viver sem Rafael.

       O primeiro dia foi horrível para Lilia. Ele ligava e ela, sentada na cama, ao lado do telefone, não podia atendê-lo. Cada som da chamada era uma pontada no peito por não poder fazer o que queria. Ela havia pensado muito no que deveria fazer. Talvez sentar com ele para uma conversa, era o que lhe parecia mais cabível. Mas a mulher sabia que mais cedo ou mais tarde isso já não resolveria. Porque se ele a beijou, é porque já sentia algo por ela, assim como ela, lamentavelmente, sentia por ele. E, em algum momento, isso teria de acabar. Por isso decidiu desaparecer. Isso daria tempo a Rafael de superar sua ausência. Ele era a sua preocupação. Queria que seu amigo estivesse bem, que não sofresse que não sentisse muito o impacto das coisas. Queria, ainda que doesse mais nela do que em qualquer pessoa, que ele a esquecesse de vez.

      Lilia tentou lidar com a distância de sua própria maneira. De dia, mantinha-se ocupada procurando trabalho. E acabou encontrando, em uma escola primária, não muito longe de casa. À noite, passava bebendo em bares distantes de onde costumava ver a Rafael. Tentava sair com os homens que conhecia nesses lugares. Saiu com alguns, embora houvesse dias em que a saudade de seu amigo a impedia de fazê-lo. E ela se perguntava como ele estaria lidando com tudo isso sozinho.

***

"Rafa?", sua mãe lhe chacoalhava levemente, tentando acordá-lo, em sua cama.

"Hm...", ele fazia alguns barulhos estranhos com a boca.

"Levante, já é meio dia.", sua mãe insistia. "Você não vai para a faculdade?"
"Não, não quero ir.", balbuciou enquanto tampava o rosto com o travesseiro.

"Rafael, você está faltando muito. Depois que você conheceu essa menina as suas notas cairam.", disse, cuidadosamente.

"Mãe, já sou um adulto."

       A senhora se levantou. Tinha vontade de perguntar por Lilia, já que, depois do que presenciou, notou que a amiga de Rafael não mais voltou à casa. Refletiu um pouco antes de se decidir.

"Rafa, por onde anda aquela menina?", fingiu despretensão.

       Rafael sabia onde sua mãe queria chegar. Estava tentando colher qualquer informação. E se sentia envergonhado de dizer que não sabia. Depois do beijo, Lilia simplesmente havia desaparecido.

"Já não somos mais amigos.", disse à sua mãe, sem saber que ela havia visto o que aconteceu.

"Ah...", a senhora fingiu-se de surpresa. Sabia que seu filho estava diferente depois do sumiço da amiga. Já não tinha o mesmo humor irônico de antes, andava mais desleixado, faltava à faculdade. Ela sabia que ele precisava desabafar, mas não havia abertura o suficiente entre eles para isso. "E como você está, meu filho?", decidiu perguntar.

"Eu estou bem, por quê?", ele se sentou na cama.

"Tem certeza?,", ela não se convenceu.

"Claro! Por que estaria mal? Porque a única pessoa que não se importou com o fato de eu ser cego e não me tratou com pena, me fazendo pensar na remota possibilidade de que poderíamos ficar juntos simplesmente desapareceu? Quem fica mal por isso?", sua voz estava levemente elevada.

Pelos Teus Olhos [COMPLETA]Where stories live. Discover now