Meus olhos

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       Lilia caminhava, ansiosa, até o bar onde Rafael trabalhava. Como será que ele está? Perguntava-se repetitivamente. Assim que chegou, olhou logo para o mini palco em que seu amigo costumava se apresentar. Para sua surpresa, ele não estava. Ela checou o relógio para ver se havia chegado muito cedo, mas já estava na hora de Rafael se apresentar. O que será que aconteceu?  

      Sem saber se deveria esperar ou ir embora, ela ficou ali, parada, fitando o palco vazio. Minutos depois, notou que seu amigo saía de uma sala, tateando o chão com a bengala com uma das mãos e a outra segurava uma garrafa de água. Lilia sentiu seu coração disparar e um frio percorreu todo o seu estômago.

      Ele se sentou em frente a um teclado que havia no pequeno palco e arrumou o microfone, pondo-o em direção à sua boca. Era possível escutar palmas ao fundo e assobios. Rafael não esboçou nenhuma reação, parecia concentrado. A mulher lhe observava de pé, sentindo o corpo trêmulo, nervoso. Só de olhá-lo ela se sentia estranha, talvez muito...Emocional. Siga o plano, Lilia. Você já o viu, agora vá embora.

"Solidão, está me matando. Dói a minha pele por não te tocar..." A voz potente de Rafael ecoava no bar, fazendo todos se calarem. O ritmo que cantava naquele momento, diferente dos que costumava cantar, era lento e melancólico, surpreendendo sua amiga.

      Enquanto Rafael cantava a música, lembrava-se dos momentos que havia vivido com Lilia. Lembrou-se do passeio de bicicleta, do beijo... Estava insuportável lidar com o sumiço dela. E, ao passo que lidava com essa saudade, começava a se detestar por ser cego. Já tinha ido na casa de sua amiga, mas não pôde decorar o caminho. Queria confrontá-la, perguntar-lhe o que aconteceu, mas não viu o ônibus que pegou, não viu as ruas pelas quais passou, não viu a fachada da casa dela. Não viu nada. E isso o irritava profundamente.

"Tenho dois olhos, os que veem o universo. Os que choram por tua ausência e te procuram sem parar."

       Os que estavam presentes o observavam calados. Lilia ficou sem reação. As letras lhe vinham como verdadeiros socos no estômago.

"De que me servem meus olhos, se não podem te ver? Não podem te ver, meus olhos, não podem te ver."

       Ele cantava esses versos com um tom melancólico, as notas mais altas cantava como se urrasse de dor, como se botasse para fora algo que lhe fazia mal. Já Lilia tentava se recompor, estava destroçada, as lágrimas caiam, seu ser borbulhava. Ela podia sentir o sofrimento de Rafael e só queria abraçá-lo naquele momento. E dizer que ele não era o único que estava sofrendo.

       O gerente do bar se aproximou, no intuito de reclamar com o rapaz pela escolha da música. Porém, antes que ele pudesse dizer algo, Lilia foi mais rápida, parando em frente a seu amigo, que logo sentiu seu perfume. Todos ao redor estavam calados, esperando o desfecho do ocorrido.

       Rafael se calou ao notar que alguém estava de pé diante dele e que o perfume lhe era familiar. Então, ele sentiu um leve toque em uma de suas mãos, que repousava sobre as teclas do instrumento, fazendo seu corpo arrepiar.

"Sou eu.", falou a mulher, por fim.

       Ele não disse nada. Estava um pouco confuso sobre o que estava acontecendo. Ela ouviu a música!

"Você pode me dar um abraço?", a mulher pediu-lhe, a voz estava embargada.

       Rafael então se pôs de pé. Lilia o ajudou a chegar mais perto e o abraçou com força. Ele tentou resistir, parecer inflexível. Ela mergulhou o rosto em seu pescoço como se tivesse sede de estar junto a ele.

Pelos Teus Olhos [COMPLETA]Where stories live. Discover now