A verdade

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       Doutora Susuko observava sua paciente, calada. A outra fitava o chão, melancólica.

"É isso.", disse Lilia, respirando fundo, em seguida. "Eu traí a minha amiga e já não posso viver mais com isso. Eu estou enlouquecendo.", tentou conter o choro. "Antes eu conseguia não pensar nisso, conseguia ignorar. Mas depois...", fez uma pausa.

"Depois...?", instigou a psicóloga.

"Depois que eu conheci o Rafael, já não consigo ser como eu era antes.", fez uma pausa. "Ele é tão puro...", suspirou, pesarosa. "Às vezes me sinto a pior pessoa do mundo.", mexeu nos próprios dedos, a cabeça baixa. "Ele vê outra pessoa em mim."

       Susuko estudou as reações de de Lilia, anotando em sua ficha. Em seguida, aproximou-se com sua cadeira de sua paciente.

"Ou talvez veja quem você realmente é.", disse a doutora, por fim. "Há duas coisas que te assustam nesse rapaz. Uma: ele tê vê de uma forma que você nunca se viu. Uma forma muito melhor de você mesma. Dois: ele desperta em você algum sentimento. E você tem muito medo de encarar isso."

       Lilia nada respondeu. Sabia que Susuko não estava errada. Entretanto não se sentia pronta para pensar nisso. Tinha de resolver primeiro seu problema com a amiga.

"E quanto à Clara?", perguntou.

"Você só se livrará desse peso se disser a verdade.", aconselhou a especialista.

"Mas eu não posso!", Lilia esfregou o rosto, frustrada.

       Susuko esperou a mulher se recompor, pacientemente.

"Quanto mais tempo você demorar, por mais tempo sentirá esse peso."

"Mas eu vou perder a minha amiga.", a vontade de chorar havia voltado.

"Ser forte também é saber lidar com as consequências. E só depois de aceitá-las é que você pode seguir em frente. Veja como um recomeço. Você tem a oportunidade de começar a fazer tudo certo. Mas para isso, tem que resolver o que não foi resolvido."

      Lilia fitou o chão. A psicóloga estava certa.

***

       Ela sentia as pernas pesadas. Cada passo que dava lhe exigia esforço. Seu coração batia rápido. Tentava dar longas suspiradas para se acalmar, mas cada vez que pensava para onde estava indo, seu nervosismo crescia.

      Alguns homens que passavam por ela a fitavam como porcos sedentos. Ela ignorava os olhares desconfortantes e seguia, objetiva. Assim que chegou onde queria, bateu na porta à sua frente.

"Clara!", gritou e, em seguida, olhou pela janela para ver se sua amiga estava em casa.

      Poucos segundos depois, a outra abriu a porta e apareceu, de pijamas de bichinhos, cabelo despenteado, boca com farelo de biscoito.
"Lilia? O que faz aqui?", ela estranhou sua amiga aparecer depois de vários dias sem dar notícia.

"Clara... Precisamos conversar."

       As palavras meticulosamente escolhidas por Lilia entravam pelos ouvidos de Clara como navalhas afiadas. A amiga tentava digerir palavra por palavra que era ouvida. Eu dormi com seu ex-marido. A voz embargada da traidora não amenizava o dano causado pelas frases ditas. Eu estou arrependida também não surtia efeito algum.

       Por alguns minutos, Clara não esboçou nenhuma reação. Tentava organizar os pensamentos. Chegou um momento em que já não conseguia ouvir nada que a outra dizia. Só conseguia vê-la, som nenhum parecia sair de sua boca. Eu dormi com ele. Me perdoe. As frases se repetiam no consciente da amiga. De repente, Lilia notou que Clara vinha em sua direção, tomada por uma súbita raiva.

Pelos Teus Olhos [COMPLETA]Where stories live. Discover now