8. Consideração

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— Shinsou? Você tem um minuto? — Vocês estão sozinhos na casa, Kendou e Monoma saíram em seu turno atrás de suplementos, como tem sido desde sua chegada. Com uma pessoa a mais no jogo, é possível revezar e essa deve ser a única razão de Monoma ainda não ter te chutado para fora desse lugar.

Shinsou te responde com uma curta reverência, mas não diz nada. No decorrer dos dias, você observou esse comportamento extensivamente. Um hábito de manter-se calado completamente ou de falar apenas quando necessário, em frases curtas, tomando o máximo de cuidado em não questionar ninguém, provavelmente para não tornar nenhum de vocês acidentalmente prisioneiros dentro de seus próprios corpos.

Você o puxa a sentar-se em uma cadeira de frente para si e o encara com determinação. Agora ou nunca. Sem os outros aqui, ele não tem uma boa desculpa para não ouvi-lo.

— Me faça alguma pergunta. — Você diz solene.

— Você sabe que eu não posso! — Ele te responde horrorizado e você imediatamente estica as mãos, tomando as mãos dele nas suas. Apesar do sobressalto visível, ele não recua ao contato.

Você vem pensando em formas de ajudá-lo a controlar o poder dele desde que chegou, mas Shinsou é como um gato arisco, difícil de se aproximar, embora pareça menos desconfiado que Monoma, ainda assim não é como se ele confiasse totalmente em você.

Isso não te impede de querer ajudar, muito pelo contrário. Esse tipo de atitude não é nada de novo, este era você antes de Deku derrubar suas barreiras e te fazer enxergar as coisas por outra perspectiva. Agora era sua vez de fazer isso por outra pessoa.

Pelo que conseguiu reunir de sua própria experiência e pequenas informações fornecidas pelo próprio Shinsou, ou pelos outros, o poder dele atua como uma paralisia do sono, onde seu corpo ainda está completamente alerta de seus arredores, mas incapaz de mover-se, exceto se ele der um comando, como se Shinsou assumisse as rédeas de sua consciência.

— Não, Shinsou, escute. — Sua voz é calma, quase pacificadora. — Quando você me paralisou naquela vez, eu senti como se minha mente tivesse sido detida em uma espécie de prisão. É isso que você sente quando usa esse poder? Como se estivesse detendo a pessoa em uma cela imaginária dentro da sua cabeça?

Shinsou respira fundo e a expressão dele parece no mínimo confusa, mas ele não tenta esquivar-se, nem da pergunta e nem do contato físico talvez um pouco forçado, provavelmente ele acredita que se colaborar com essa besteira agora, você irá abandonar logo esse assunto.

— Eu... Nunca realmente tive tempo de reparar nisso, nunca tentei usar isso por vontade própria, todas as vezes foram acidentes. Mas... — Ele morde o lábio, como se estivesse um pouco incerto se deve te dizer essas coisas ou não. — Eu sei que é como se minha mente criasse uma conexão invisível com a mente da outra pessoa. Embora a sua ideia de prisão talvez faça sentido. E... A minha cabeça dói, sempre que acontece. Eu não posso de fato entrar na sua mente, como você já sabe, não consigo ler seus pensamentos ou nada assim, não acho que possa desenvolver isso. Eu sinto mais como se eu me tornasse um condutor, enquanto a pessoa se torna o passageiro. Deve... — Ele suspira pesadamente. — Deve ser horrível.

Seu olhar tenta encorajá-lo, mas você não tem certeza se é muito agradável olhar para o seu rosto assim de perto. Há alguns dias, você abandonou o tapa-olho e por mais que esse tipo de coisa não devesse mais importar, às vezes ainda sente um resquício de vaidade, de uma vida em que essas coisas importavam. Você se sente um pouco inseguro, com medo de que as pessoas – as únicas três com quem convive – possam sentir nojo de sua aparência, o que, em momentos como agora, te faz puxar seus cabelos para a frente, numa tentativa de esconder-se novamente. Talvez você não devesse ter abandonado o tapa-olho, afinal de contas.

— Um condutor... — Você repete com a expressão concentrada. — Quanto tempo dura o seu controle sobre a pessoa? Você já tentou dizer para elas voltarem?

— Algumas horas, eu acho que varia de pessoa para pessoa. Itsuka levou quase quatro horas para retornar, da primeira vez. Desmaiou por esgotamento e quando acordou, ela estava normal. Foi horrível, meu nariz começou a sangrar e eu senti uma dor de cabeça tão grande, que achei que desmaiaria também. — Ele respira fundo. — Neito, no entanto, voltou depois de meia hora. Tentamos algumas coisas. Comandos não resolvem, Shouto. Eles não voltam só porque eu digo para voltarem, não é assim que funciona, aparentemente.

Você morde o lábio, trazendo sua mão direita para perto dos dois. Pouco a pouco, uma fina camada de gelo começa a se formar nas pontas de seus dedos, subindo até o seu braço, sua cabeça dói devido ao grau de concentração necessário para não congelar o quarto inteiro. Shinsou o observa, com os olhos impressionados. Ele quer perguntar como conseguiu isso, mas você sabe que ele não fará.

— Estive tentando controlar esse lado também. Não é sempre que consigo, mas acho que estou progredindo. — Você sorri, uma tentativa de encorajá-lo, talvez. — Se comandos não funcionam, talvez você tenha que se concentrar em liberar o seu adversário, por sua própria vontade. Se isso der certo, talvez nas outras vezes seja mais fácil liberar ou sequer aprisioná-los.

Ele te encara, calado e vocês estão próximos o bastante para que você possa observar os detalhes do rosto dele, mesmo que agora só possua cinquenta por cento de sua visão, ainda é possível capturar as nuances nas íris cor de violeta, na expressão concentrada, na respiração agora muito mais calma do que há instantes atrás.

Inesperadamente, você sente um calor próximo de seu rosto, dedos gentis tocam o início de sua cicatriz, te fazendo quase se encolher pelo constrangimento, trancando sua respiração ao pensar na pele rígida que deve causar apenas nojo no outro.

— Sempre me perguntei se isso dói, apesar de você ter dito que não.

Como se seus membros tivessem vontade própria, seu corpo se inclina ligeiramente, uma de suas mãos cobre a mão de Shinsou em seu rosto e isso parece fazer com que ele sinta-se um pouco mais confortável em tocá-lo dessa forma. Seus olhos se fecham, mas antes que qualquer coisa possa acontecer, o feitiço é quebrado pelo barulho vindo da porta.

Shinsou imediatamente recua e se levanta, para perguntar aos seus amigos como foi a missão deles e você fica ali, quase que petrificado com o que acabou de se passar, tentando se convencer de que isso não significa nada.

A chance de insistir sobre a habilidade de Shinsou também é perdida. Mas você não vai desistir.

Nessa noite, pela primeira vez, vocês dormem com os corpos de frente um para o outro.

Skyfall - bnha | todoshinWhere stories live. Discover now