11. Recomeço

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Há alguns anos, uma pessoa teria te falado que a humanidade sempre encontra um jeito de prosperar, você riu e sacudiu os ombros, cético como era. Hoje você sabe que ele estava certo.

De longe você avista as crianças e ao se aproximar, apenas um pouco, não quer interromper, vê que todas estão atentas ao homem diante delas. Hitoshi está fazendo uma pequena demonstração com o garotinho ruivo de olhos intensamente azuis, filho de Itsuka e Neito, enquanto os gêmeos de Ochako e Tenya sequer piscam, com seus olhinhos brilhando, fixos e atentos no que se desenrola diante deles.

O Monoma Jr., assim como as outras crianças, já nasceu com uma habilidade. A dele era copiar as habilidades de outras pessoas, mas o garotinho não tinha nenhum controle sobre esse poder, os outros menos ainda.

Agachado diante da criança para ficar em sua altura, Hitoshi instrui ao garoto com paciência e um sorriso involuntário se forma em seus lábios ao observá-lo. O sol reflete nos cabelos e olhos violetas, criando uma imagem estonteante. Os anos foram generosos com Hitoshi, mesmo com seu ar permanente cansado, ele ainda é tão bonito como você se lembra.

— Shouto! — Você ouve alguém te chamar e se vira, Yao-momo e Kyouka se aproximam sorrindo. — Pode nos ajudar na cozinha? — Diz Momo.

— Precisamos de um pouco de fogo. — Kyouka completa.

Você concorda com a cabeça, sua habilidade de usar o fogo encontrou um propósito aqui. As coisas não são perfeitas, nem de longe, o mundo vem se reconstruindo lentamente e as condições ainda não são ideais, há um longo caminho a ser percorrido, mas é definitivamente melhor agora que aquelas criaturas não são mais a maioria da população. Até mesmo o sol voltou a aparecer, depois daqueles anos mais complicados, em que os dias se estenderam em noites que duravam quase uma semana, até que alguma luz aparecesse novamente. Ninguém nunca soube explicar como ou porque.

Depois que encontraram esse acampamento, onde foram imediatamente acolhidos, outros grupos começaram a surgir, resistências de todos os lugares dispostas a ajudar a reverter a situação do mundo. A esperança voltou a se instalar, até mesmo em você. Por mais cético que fosse, você queria viver. Percebeu isso depois de encontrar Hitoshi, Neito e Itsuka, ao ver o quanto eles pareciam determinados em não perecer, mesmo em condições terríveis.

Em muitos momentos, vocês quase se perderam. Lutas sangrentas com monstros, feridas que hoje são cicatrizes de batalhas, lembretes de que vocês continuaram firmes ali. Foi por pouco, todos os dias a morte parecia descansar a cabeça em seus ombros e sussurrar em seu ouvido que tanto a sua hora quanto a deles estava muito próxima. Você passou a ignorá-la, sempre olhava para os outros e buscava forças na determinação deles, quando não podia mais encontrar nenhuma motivação em si.

Você ainda tem pesadelos, ainda acorda gritando. Ainda sonha repetidamente com Deku e com o que precisou fazer para sobreviver naquela época. Essa parte sua, seus amigos nunca souberam. Você não sabe se algum dia estará preparado para falar sobre isso, ainda mais com o que sabe agora.

Houve uma noite em que todos estavam ao redor de uma fogueira que você tinha ajudado a acender. Tenya e Ochako começaram a contar uma história de como todos se conheciam e sobre dois amigos que eles perderam. Katsuki Bakugou e Izuku Midoriya – Kacchan e Deku. Ao ouvir isso, seu coração disparou e a boca ficou seca, mas você escutou tudo com atenção. Uma história que parecia já conhecer, mesmo sem nunca tê-la ouvido antes, talvez pela ironia disso tudo, as similaridades, o destino que não pôde ser evitado, a sua participação dissimulada que você não ousa revelar.

Izuku precisou matar Katsuki, porque ele foi infectado. Katsuki era seu melhor amigo e seu amante. Ochako contava, com lágrimas nos olhos e um sorriso trêmulo, sobre como eles estavam sempre discutindo, mas que dariam a vida um pelo outro num piscar de olhos. Seu coração se apertou, porque isso soava dolorosamente como o Deku que você conheceu, mas não ousou dizer nada.

Aparentemente, depois do que aconteceu, Izuku sumiu. Eles sabiam o motivo, ele provavelmente carregava tanta culpa dentro de de si que não podia mais suportar encarar a todos, mesmo que eles soubessem que aquilo tinha que ter sido feito. Esse é outro sentimento que você entendia bem até demais.

Agora, quando você olha para a grande mesa de jantar, como agora, essas memórias parecem tão distantes. Não há fartura sobre ela, mas definitivamente há o suficiente para todo mundo. Todos ali perderam tanto, encararam todo o tipo de dor, viram os olhos da morte e sua promessa de destruição, um mundo pintado de vermelho em que todos lutaram para sobreviver. Parece surreal que agora seja possível ver crianças correndo pela casa, um deles acabou de passar por baixo das suas pernas, sem uma única preocupação na mente e as pessoas têm sorrisos verdadeiros nos rostos delas, apesar da dor eternamente impressa nos olhos de cada um, mas sem o constante medo da morte que os assombrava há alguns anos.

Vocês sobreviveram. Você continua repetindo isso dentro de sua cabeça, como se quase não pudesse acreditar que um dia seria possível.

— Ei, Shouto, em que está pensando? — Você sente um cutucão perto da costela e braços te envolvendo em um abraço por trás. Hitoshi apoia a cabeça em seu ombro, beija sua bochecha, há muito tempo ele não tem mais receio de fazer perguntas, nem de demonstrar o afeto que ele tem por você. Isso também parece surreal, parece que toda essa paz em algum momento vai desmoronar, mas você sabe que esse medo todo é apenas uma paranóia, um resíduo do trauma que todos experimentaram juntos.

Seus olhos se fecham por um momento, você respira fundo e se vira entre os braços do homem que ama, do homem que lutou ao seu lado por todo esse tempo e você encara os olhos violetas dele, serenos, em paz. Você se inclina, fecha toda a distância que há entre vocês e o beija, não da forma como vocês se beijavam há alguns anos, como se fosse o último contato humano que iriam provar antes do fim dos dias, dançando a beira do precipício do caos e quase a ponto de despencar de lá de cima. Não há mais necessidade desses beijos, os que vocês trocam agora são beijos calmos, os dois reconhecendo que há tempo para gastar em apenas aproveitar a companhia um do outro.

— Ah, por favor, arrumem um quarto vocês dois! — Neito passa pela porta com pratos e talheres na mão para arrumar a mesa, a voz dele não carrega nenhum veneno, é apenas uma provocação juvenil. De todos ali, ele certamente foi quem manteve melhor a sua energia.

Hitoshi dá o dedo do meio para ele, rindo entre os seus lábios, mas não para de te beijar, apenas para provocar o amigo. É você quem quebra o contato, sorrindo verdadeiramente.

— Vamos lá ajudar eles, eu vou ver onde estão as crianças e depois... — Você pisca com seu olho bom, deixando um beijo estalado na bochecha de seu namorado e sai.

As coisas não são perfeitas, nem de longe, mas há muito tempo você decidiu que valeria a pena ficar para ver o que o mundo pode fazer para se reerguer e aqui está a prova. Você foi parte disso e quer fazer o que for possível para ajudar, tem certeza que algo bom pode ser construído aqui.

Skyfall - bnha | todoshinWo Geschichten leben. Entdecke jetzt