O gosto da chuva

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Ela vivia de passado. Ele não fazia parte desse passado.

Participava de grupos que ele nunca estava, ia a lugares onde ele não frequentava.

Ela chorava. O passado lhe magoava, e ela se agarrava como uma tábua de salvação.

Um dia, o mundo resolveu girar. 180º fizeram outros caminhos.

Então ela começou a ver. Sim, a cegueira do passado a condenava a uma vida de trevas. Ela só podia ver o que todos viam. Ela só estava no mundo, não vivia.

E ao começar a ver, seus outros sentidos começaram a aflorar.

O som do vento nas pétalas das orquídeas eram uma música sem fim, um toque ritmado, qual seus batimentos cardíacos.

O cheiro das folhas molhadas pelo orvalho da madrugada.

O toque sutil dos espinhos das rosas.

E o gosto da chuva. Ah, o gosto da chuva era algo que ela jamais sentira.

Como poderia ter imaginado tal sabor? O que era na verdade o sabor?

Ela não podia descrever.

Então, seu passado foi ficando esquecido, jogado ali no canto da sala, junto a velhos livros de feitiços e lembranças de casamentos que ela nunca fora. Aos poucos já não havia mais o choro, nem a dor da perda.

Então ele surgiu.

Tinha nos olhos o sorriso da inocência, o azul do oceano e a simplicidade de quem procura algo também. Mas principalmente tinham a certeza do que procuravam.

Então ela se aproximou, lentamente. Ele tinha o cheiro dos lírios no jardim e dos cravos que a mãe colocava nos doces. Ela parou. Como alguém podia ter o cheiro da pureza e da doçura e parecer tão forte e seguro?

Mais um passo, incerto, inseguro. Agora seu passado tremia no cantinho da sala, isolado, quase imperceptível, quase nulo.

Então ele a viu. E sorriu. E o seu sorriso invadiu seus olhos, e inundaram seus lábios, e no mesmo instante, as pernas dela tremeram. E ela também sorriu.

O gosto da chuva agora inundava seus lábios. Mas não estava chovendo, seu passado é que agora não estava mais ali.

Nada está em seu lugarHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin