Proteção

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Quem viu, deu a notícia e a manchete era unânime: pai pega filho tal como predador pega presa e leva o coitado do campo até em casa debarde de chuva de pancada. A cena choca, mas ninguém se mete, apenas chamam mais gente pra ver se constrangem o agressor, lá vem mais gente somar-se à multidão, aos conhecidos que não estavam na rua, saem às pencas às portas, as pestes.

Praticidade é tudo né? Pra que usar chave e trinco se se pode usar cabeça de filho como aríete? A porta foi aberta assim e dali mesmo já continuou o almoço de saúde na sessão de pontapés no braço, na cara, no coro, nas costas, nas coxas; na palma, na alma. Um massacre a olhos vistos, que só parou quando a mãe viu rebento em arrebento a moda onde pegar pegou.

— Não vou sair da frente, Gilvan. Agindo como qualquer especialista em sobrevivência, o filho logo buscou as costas da mãe. O pai seguia ameaçando: quanto mais demorasse, pior seria. Isso é tudo, menos surra. Ainda diz pro menino não chorar, porque não apanhou, pel'amor de Deus. Calma! O que foi que ele fez? Parece que cometeu um crime, segue a mãe, tirando calma de onde não tinha.

— O que é isso aqui? Pergunta o pai já atirando um par de chuteiras no chão da sala. Giovane, você se prepare, que eu vou lhe quebrar em dois.

Regina sabia que não existia combinação pior do que Gilvan estando com razão e desvairado é catástrofe certa, ainda tendo do lado de fora a vizinhança em debate, ela juntou as peças: tudo isso só por que estava no campo? Sim, algo era estranho, mas, nem deu pra bater as informações, porque a sala virou um inferno com um assassinato em curso.

E é vem a poha: testa brilhando, sangue no olho e dente em cima do lábio, certo de que é certo bater até matar, fazendo carga, passando por cima da esposa, que intercede heroicamente comas mãos em formas de "C" ajustando nos punhos cerrados do touro em forma de homem. Rápida e ágil, ela reposicionava os pés, refazia a algema da salvação, pedia a Deus pela vida do chinês contra os tanques, tudo ao mesmo tempo.

A carta que Regina tinha na manga era o conhecimento do senso de justiça de seu marido, ela sabia que ele queria se soltar sem machucá-la, e era por isso que ela o encarava agora abraçando-o, entrelaçando dedos nas costas da fera indomável. Porém, uma hora a hora chega e, ao primeiro sinal de vacilação por falta de força, o touro se livrou da amarra e ela voou no sofá. Segundo seguinte e sacrifício se seguiria. Se a promessa se cumprisse, Geovani não anda andará por três anos fácil-fácil.

Vai acontecer, mão na camisa, punho cerrado, braço curvo içado ao ar. Na hora H Regina vai, solta o verbo e pergunta se está bonito aquilo, você dando no menino de mão fechada.

— Eu pedi ajuda, mas ninguém entrou, continuava ela pontuando corretamente que os vizinhos querem mais é ver você matar seu filho destá. E depois que você matar, continuava, eles mesmos vão torcer pra polícia te pegar, dizendo que você tava errado de matar seu filho. Mas, agora ninguém vai entrar pra impedir essa tragédia aqui não. Sabe por quê? Por que eles querem mais é ver sangue. Uma tragédia é melhor que nada, duas é melhor que uma.

Ele hesitou, mas tomou uma decisão rápida: ia bater mesmo assim, só que ficou difícil seguir depois daquele alerta. Rapidamente analisou em torno e sentiu a compressão do silêncio dos curiosos do lado de fora, rompido de leve somente pelo choro ambiente da mãe.

Meio segundo depois de solto, o filho foi agarrado pela mãe, que agora deu outra mensagem: de costas para o companheiro, ela se fez entender que não iria reagir, caso ele quisesse bater no filho. Só que, ao fazer isso, ele iria bater nela também, porque mãe e filho era um feito de dois naquela sala de ar irrespirável.

Ainda sentia na boca o gosto amargo do exemplo não-passado e teria seu remédio. Aquilo só não podia servir de sessão de entretenimento para vizinhos, que teriam de se contentar em ouvir os gritos sem ver os arremessos de cabeça na parede. Sim, o povo queria e teria, só não veria, então iria fechar a porta na cara deles e terminar o trabalho.

Então, quando virou-se para fechar a porta, viu algo riscar sua vista, algo no meio da multidão que agora disfarça olhando para os lados, para não sei aonde. Algo não, alguém, alguém passou na porta e fez Gilvan deter-se. Passou hayai sem se importar com nada em torno. Gilvan paralisou-se. Afinal, o que era aquilo que lhe riscou os olhos, da esquerda para a direita, e que lhe roubou a vontade de se mover? Estranhou a situação.

Todos pararam também. Todos querendo espetáculo, de repente tudo para, ninguém entendeu nada, situação que piorou quando Gilvan saiu, assomou-se à multidão constrangida aglomerada em sua porta. Um sorria amarelo, outro chama na casa ao lado, outros fingem auxiliar o socorro."Grávida passando mal". Ignorando tudo e todos, olhou para frente e fez a grande descoberta.

A imagem paralisante era o menino da casa mais a frente. Bermuda jeans, chinelo de dedo, colete verde de vendedor ambulante que lhe cobria a metade superior do corpo. Um menino, numa manhã de domingo, trabalhando.

— Não, rebateu o anônimo, ele já tá é voltando. Ele saiu pra trabalhar ontem de noite, agora tá indo é descansar.

O vizinho de frente fez Gilvan o quão fora de si ele estava, uma vez que que ele tinha cometido falado sem nem perceber. Gilvan ouviu tudo e balançou a cabeça em sinal de respeito ao anônimo, aí veio o tiro na alma.

— Jorge.

— O quê?

— O nome dele é Jorge, Jorge Vitor, filho do finado. Cuida do irmão mais novo, ouve queixa, leva pra escola, pinta a porra.

E foi à conta para Gilvan, que voltou para casa envergonhado e em silêncio depois que a tapa sem mão lhe desnorteou e esquentou a cara. Ele entrou em casa com uma pedra na garganta, sentou no braço do sofá, levantou a cabeça e olhou a sala com uma mão em cada joelho, com as pernas escancaradas, e ficou ali. O que aquele garoto estava fazendo era incrível! Sair por aí para trabalhar na noite, enfrentando perigos, podendo até morrer, tudo para assumir, casa e filho que nem eram responsabilidade dele.

Aquele menino com certeza estava disposto a tudo para proteger o que lhe era precioso. O que estava acontecendo? Agora, ele levantou as vistas para ver a sala, que é diferente de simplesmente olhar.

Foi aí que ele viu outra pessoa também disposta a enfrentar tudo para proteger o que lhe é precioso, ele viu Regina, a mãe indestrutível, pronta para tudo para proteger seu filho. E sem fazer muito rodeio ele se aproximou e abraçou os dois, da esposa e do que lhe restou de filho, e deu-lhes um abraço, Gilvan era agora um protetor também, e agora temos três chorões na sala.

Embora eles não saibam, o nome disso é catarse pura, nua e crua, e acena, feliz e infeliz, é curiosa, pois, choram agora por empatia os que antes choravam por egoísmo. Sem voz em vão no vão, agora só almas falavam, corpos entendiam-se silenciosamente, e faziam isso por que já se percebiam como continuação um do outro, se percebiam como quem tem a intenção e obrigação de seguir em frente se preservando e cuidando um do outro, tal como instintivamente se faz numa verdadeira família ao apelar ao único meio de se vencer o tempo. Realmente, um abraço resolve muita coisa.

Conto: São JorgeTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang