Capítulo 8

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| A l i c e |

Saio apressada da sua casa e nem ouso olhar para trás. Ele me deixou ir, mas fico desconfiada e em alerta. O medo de que talvez seja mentira dele e de que tudo não tenha passado apenas de uma brincadeira, faz meus batimentos aumentarem a cada passo que dou em direção a porta de entrada. Como se Nathaniel, de algum jeito, estivesse lá fora me esperando e rindo daquela maneira perturbadora. Não duvidaria disso. Seu humor é tão estranho quanto ele.

Conforme caminho rapidamente, puxo o celular do bolso e abro o aplicativo, solicitando uma viagem para a minha casa.

Sete minutos é tempo demais para esperar. Não em uma realidade normal, porque seria completamente aceitável. Na minha, nesse exato momento, o pensamento de aguardar no escuro e sozinha é apavorante. Bom, mas ainda é menos ruim do que ter a companhia dele.

Aquela sensação esquisita de estar sendo observada, atinge minha pele com força e um calafrio me arrepia.

Movimento a cabeça lentamente para os lados, atenta a qualquer barulho, mas não vejo ninguém, embora, mesmo depois de alguns minutos, o sentimento desagradável ainda persista. Como se estivesse de volta ao corredor do hospital e amedrontada com o nosso encontro.

Ao perceber os faróis do motorista iluminando o asfalto, suspiro alto.

Deu tudo certo.

Nem tudo, na verdade.

Acabei de me envolver em uma coisa que não entendo nada. Sério. Nada mesmo. O cara parece desesperado por ajuda, claro que ele nunca confessaria algo desse tipo, mas seu empenho foi forte para me convencer. Sua ameaça, para ser mais exata, mas faria qualquer coisa para proteger minha família e minha vida, obviamente. O problema é que acabo saindo daqui com mais dúvidas do que quando entrei.

O que ele é? Não tenho a menor maldita ideia.

Por que preciso do seu poder? Parece piada até, mas presenciando o que presenciei, faz até sentido o cara ser meio paranormal, sei lá. Normal eu sei que ele não é.

Qual o efeito que isso vai causar em mim? Outra questão em aberto.

Tantas perguntas e mais uma vez, nenhuma resposta.

Estou adorando toda essa história. Sinto que a qualquer momento, vou despertar desse sonho maluco e rir. Perceber que era apenas cansaço mental, depois de algum turno interminável e pronto.

Seria maravilhoso. Seria mesmo.

Antes de entrar no carro, observo o lugar aonde estava, aonde fui forçada a ficar, até fazer exatamente o que Nathaniel queria. No final das contas, ele tinha razão. Fiz exatamente o que mandou.

Uma movimentação na janela me assusta e ergo o olhar curiosa. Ele me encara com o braço levantado e a mão atrás da nuca. Encostado preguiçosamente na lateral da madeira e ainda sem camisa. Apenas com a luz do poste da rua clareando parte do seu torso e meu Deus, ele é péssimo e sombrio, mas é quente como o inferno. Talvez ele seja o próprio diabo.

Não deveria gostar disso. Deveria sentir repulsa pelo monstro que existe por trás daquela casca linda, repudiar qualquer pensamento sobre isso, ainda mais por toda a porcaria que jogou nos meus ombros, mas a beleza é tão convidativa, que é meio difícil de desviar a atenção. Como em algum livro, onde a mocinha sente atração pela pior pessoa na trama. Um clichê fictício direto na minha vida real.

E como se entendesse meus pensamentos, um sorriso cínico cresce no seu rosto e com apenas um maneio de cabeça rápido e sem sentido, ele puxa a cortina rispidamente e desaparece.

— Vai desistir da viagem, moça?

— Não, desculpa. — sento no banco de trás e coloco a bolsa no colo, forçando meus olhos a ficarem firmes e direcionados para a frente.

Quando o caminho começa a ficar familiar, respiro fundo e me encosto aliviada. Nathaniel manteve sua palavra, pelo menos não é um mentiroso. Como se isso fosse uma coisa boa em alguém todo errado.

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— Ana, hoje é domingo e estou cansada. Dormi muito pouco — digo pela segunda vez.

— Você está de folga amanhã, Al. — sua voz melosa soa alto pelo telefone e afasto o ouvido.

— Não estou com vontade. — retruco — Semana que vem, pode ser? — tento inutilmente, pois ela bufa e desliga na minha cara e sei que está vindo para casa.

Ser vizinha dela algumas vezes é um saco. A garota parece viver cada dia como se fosse o último, mas esquece que tenho um trabalho e uma rotina exaustiva, não dá para acompanhar sua energia.

— Tenho dois ingressos para um show na Honey House. — grita ao entrar no meu quarto, balançando nos dedos o papel amassado.

— Sem interesse. — comento e continuo dobrando algumas roupas que estavam jogadas pela cama.

— Você parece uma velha. — argumenta e estica as pernas no tapete ao se sentar no chão — Não quero ir sem você.

— Minha semana foi meio maluca, Ana. — murmuro — Só quero ficar atoa e na Netflix.

— Não sei como isso pode ser melhor que se enroscar com algum gato por lá. — e como se tivesse algum estalo genial, ela fica em pé e segura meus ombros, me sacudindo animada — É isso, Al. Você vai transar hoje.

— Sério? — pergunto e reviro os olhos — E você garante isso, porque ... — arqueio a sobrancelha e a encaro divertida.

— Porque vai ser a minha missão. — declara séria.

— Você é ridícula. — desdenho rindo.

— Fique pronta em uma hora. Tchau. — e sem esperar minha resposta, dá as costas e sai pisando duro.

Até que nao é uma ideia tão ruim assim.
Pego uma toalha limpa e vou pra o banheiro.
Nada pode ser pior do que meus últimos dias e esquecer por um momento toda essa esquisitice do Nathaniel, deixa a noite mais tentadora.

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