Capítulo 16

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| A L I C E |

Se essa matéria fosse a que decidiria meu diploma, eu nunca seria uma médica. Não conseguia prestar atenção em nada. Toda vez que a professora explicava um trecho, eu logo corria para a apostila para reler novamente. As palavras se embaralhavam na minha mente e não faziam sentido algum. Eu estava aérea. Estava cada vez mais dispersa e isso não estava funcionando. 

A faculdade é algo importante para mim. Dedico muito tempo e esforço, para que esse cretino, simplesmente resolva vir até aqui e atormentar a minha cabeça. Saúde não é brincadeira, é coisa séria e perceber o quanto isso não importa para ele, faz uma raiva começar a percorrer meu corpo de um jeito louco. Ele pode não sangrar, mas a porcaria do resto do planeta sim. E quando alguém precisar de mim, quero saber o que fazer e essa palhaçada está atrapalhando o meu conhecimento. Conhecimento esse, que poderia salvar uma vida. Não a dele, espero. Minha vontade é de vê-lo se contorcer em agonia, até a sua existência ser apenas uma lembrança na minha mente. Isso soa agressivo para uma mulher que respeita a vida, mas existe um limite que uma pessoa pode suportar de tormento e eu estou quase ultrapassando essa linha.

Sorrio e ele retribui com aquele repuxar cínico nos lábios, mal sabe que estou imaginando todas as formas de dor que gostaria de inflingir nessa sua pele branca e estranha. Gosto dessas fantasias. Vai um pouco contra os meus valores, mas esse homem consegue fazer o pior de mim emergir, então ele que lide com isso. Minha consciência não vai pesar por ter esses pensamentos. 

Minha perna balança inquieta embaixo da mesa e ouço seu riso baixo. Forço meu olhos a ignorarem a sua presença e direcionar para o que realmente interessa, mas estou incomodada. Ainda piora quando ele escreve no meu caderno. Bato na sua mão, fazendo meu estojo cair, levando a minha apostila junto. O barulho assusta alguns dos alunos e me inclino para pegar minhas coisas.

— Algum problema, Alice? — Fátima, minha professora e chefe no hospital, franze a testa curiosa e todas as cabeças se viram na minha direção.

— Não, desculpe. Só derrubei sem querer. — dou um sorriso amarelo, aquele bem constrangido e fico em silêncio.

— Só se atente a aula. — comenta e meu peito afunda. Minha efetivação depende diretamente dela e ser uma aluna mediana, não vai me garantir isso.

— Claro. — respondo e fecho a cara envergonhada. 

— Alice. — Nathaniel sussurra e ignoro. Desprezando com maestria o som rouco da sua voz, tão próximo do meu ouvido, que sinto o calor da sua respiração no meu pescoço — Alice. — insiste. 

Puxo meu celular da mochila e envio uma mensagem, meus dedos batucam com força no teclado e não preciso me virar, para saber que ele está de olho no que estou fazendo.

Respeite meu futuro, porra — aperto em enviar e ouço a vibração baixa do seu telefone sobre a mesa.

Okay — responde prontamente — Mas isso é entediante

Só ir embora — retruco.

Vou esperar, obrigado. Isso se eu não morrer de tédio antes — ele bufa, trazendo uma drama ridículo de anexo com a sua mensagem.

Seria péssimo se acontecesse. — replico indiferente e ouço sua risada novamente.

— Amanhã estarei fora, então usem essas horas para trabalharem nos seus projetos. — e com isso a aula acaba e eu não absorvi nada. Exatamente merda nenhuma. Se eu tivesse faltado, certamente minha manhã teria sido mais produtiva e menos estressante.

Fico em pé e junto todo o material.

— Não sei como você aguenta. — murmura.

— Eu adoro isso e você está estragando. — vocifero e passo por ele, batendo meu ombro na lateral do seu corpo. O barulho dos seus passos pesados atrás de mim, faz com que eu me sinta uma prisioneira em liberdade provisória. Como se a minha tornozeleira fosse um homem de quase dois metros, impedindo ou me seguindo em todos os lugares.

— Não vou me desculpar. — grunhi e fica ao meu lado, acompanhando meu andar apressado.

— Não espero nada de você mesmo — retruco.

— Acho que o poder não tem efeito em você. — comenta desanimado.

— Ótimo! Então pode seguir o seu caminho, que vou seguir o meu bem longe do seu. —  e sem esperar por sua resposta, entro no banheiro feminino e bato a porta na sua cara.

Chama azul Where stories live. Discover now