2. Reconstruindo Etéria

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Tudo em Lua Clara era agradável, Felina tinha que admitir. Até Melog, sempre ao seu lado, fechava os olhos para sentir a calmaria do momento. Em um fim de tarde admirando a vista na porta de entrada de um dos jardins, ela reafirmava isso pela leveza da brisa, pelo cheiro de mágica que pairava no ar. Sim, até a mágica exalava algo que a deixava mais relaxada. Seria isso proposital? Lua Clara é um reino que propositalmente te embriaga até que se esqueça de seus problemas? Sentada no parapeito da escada, ela avista inconsciente a Pedra da Lua. Tantas vezes ela olhou para lá com repúdio, com raiva, com a inconformidade de quem nunca entendeu como um lugar tão pacato pôde roubar quem ela tanto ama.

Não roubou. Ela foi embora porque quis. Ela foi embora porque sabia que era o certo a se fazer naquele momento. E era o certo mesmo. Errada foi Felina, de nunca ter tido a mesma coragem de sair da zona de conforto, como fez sua melhor amiga, sua antiga inimiga, sua atual namorada, seu sempre amor. Mesmo a zona de conforto sendo tudo, menos confortável. Era a Zona do Medo, o nome do lugar não mentia. Se teve alguma coisa boa vinda de lá, tirando Adora e Scorpia, ela não se lembra.

Que bom que ela estava podendo refletir sobre tudo isso na paz de Lua Clara, sob o brilho inebriante da Pedra, na calmaria de quem tem, agora, todo o tempo do mundo de seguir pelo caminho certo. O caminho que às vezes parecia tão simples, e outras, tão tortuoso. Como podia ser tão bom e tão ruim ter todo esse privilégio? Privilégio esse que nunca experimentou antes na vida? Isso de pensar, de se expressar, de ter espaço era tão estressante. Se ao menos houvesse uma maneira de acelerar esse processo e matar a culpa de vez. A noite já estava caindo e as estrelas, novas integrantes do céu de Etéria, começavam a aparecer. Num impulso tedioso, a ex-comandante da Horda resolveu tentar contá-las. Passou uns bons minutos ali, concentrada, passando das 20, 40, chegou a 80 estrelas. E haviam muitas mais.

A essa altura, Adora estava há alguns minutos parada ao lado do parapeito onde estava Felina, só a observando. Ela conseguiu Melog como cúmplice ao pedi-lo silenciosamente que não expressasse um 'ai' sobre a presença dela ali. A angústia era grande para segurar a vontade que tinha de esmagá-la em seus braços e beijá-la até que nenhuma das duas tivesse mais fôlego. Mas, estava ali, firme e forte, respeitando o momento da outra.

E que momento longo! Desde que ela chegou ali, Felina nem se mexeu. Só sua cauda balançava no mesmo ritmo para um lado e para o outro. É estranho que não tenha notado sua presença, já que geralmente escuta passos à distan-

– Ahá! – num reflexo invejável, a gata pulou fazendo as duas caírem sentadas no chão. Suas pernas entre a cintura da vítima e os braços entrelaçados no pescoço dela.

Na mesma hora, Melog mudou a expressão séria para uma brincalhona, deu uma leve lambida no rosto de Adora e ronronou alegre. Não ficou muito tempo por perto depois que se distraiu com uma borboleta e começou a segui-la pelo jardim.

Por mais que ela fosse a lendária SheRa, não teria como prever o ataque de Felina. Seus olhos arregalaram tanto com o susto que quando teve força de pisca-los, já estava no chão, apenas apoiando o peso dos dois corpos em seus cotovelos, e o coração estava na boca. Bastou alguns segundos para se recuperar do susto e estampar um sorriso torto no rosto.

– De todos os seus planos, esse quase funcionou. Me matar de ataque cardíaco.

As duas riram. Riram tão livres e leves como têm feito ultimamente, depois de ficarem tanto tempo sem ter toda essa liberdade uma com a outra.

Adora foi a primeira a parar, pois queria ficar concentrada no seu mais novo, e velho, hobby: admirar Felina. A maneira como jogava levemente a cabeça para trás para rir, como os agudos da risada, em alguns momentos, davam uma leve falhada, e como os olhos heterocromáticos quase se fechavam dando ainda mais destaque às sardas de seu rosto. Não dava para se cansar disso.

A Última Redenção (Catradora)Where stories live. Discover now