5 - A vida um dia de cada vez

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Atenção: Pode conter gatilhos como morte, luto e aborto espontâneo. Se esses assuntos não te fazem bem, pode pular esse capítulo sem prejuízo para a história. Priorize sua saúde.

O silêncio era algo que facinava Yagura, por ser sempre igual, mas provocar sensações diferentes em cada contexto. Como nas noites intermináveis em que temia o sono por causa dos pesadelos, era assustador, já no calor terno do colo de sua mãe, enquanto acariciava seus cabelos com carinho, era reconfortante, nas tardes em que ele e Sasoshi pareciam se entender sem precisar trocar uma só palavra, era feliz, e nas manhãs em que via pela janela de seu quarto as crianças da vila irem para a escola, enquanto ele permanecia isolado na segurança de sua casa era solitário — sem dúvidas o pior deles.

Os adultos sempre elogiavam sua maturidade, por saber obedecer e nunca se queixar das escolhas de seus pais — características esperadas de um futuro Kazekage. — Ninguém nunca se perguntou: Mas a que preço? Como estaria o coração de uma criança que carregava o peso de ser o primogênito, o filho único, o futuro líder de seu povo, o Jinchuuriki do Shukaku, o que não poderia morrer ou faria sua mãe tão infeliz?

Dia a pós dia, ele vivia com o único propósito de corresponder à todas as expectativas que progetavam nele, preso em um lar de amor e cercado de cuidados que o afastavam cada vez mais de qualquer possibilidade de uma vida real.

Quando tentou fazer como seu amigo e imaginar anos futuro, se pegou esperando crescer ali, governar sob as ordens do conselho e morrer para finalmente ser enterrado onde alguém julgasse apropriado. Essa visão lhe deu tanto medo que precisou buscar refúgio no quarto de seus pais aquela noite. Nunca mais ousou pensar a respeito.

— Na Vila da Névoa temos um provérbio que diz: Não importa o quanto acredite saber, a vida sempre sabe mais e vai te surpreender”. — Narumi falou certa vez ao marido em um momento de aflição. Yagura ouviu e nunca mais esqueceu as palavras da mãe. Aquela noite, ele pode confirmar a veracidade disso.

Sentado no sofá, balançava os pés ansioso, a espera de Gaara que havia lhe dito que conversariam antes do jantar.

Não que fosse incomum passar tempo com o pai que era bastante presente e atencioso, mas o tom formal que ele usou, o olhar hesitante e a forma como apertou sua mão entre as dele, tudo o lembrava do dia em que lhe disse que não poderia ir à escola. — A preocupação somava à ausência de sua mãe que supostamente estava em uma missão há três dias.

A passos lentos uma pessoa entrou na sala e se aproximou com cuidado, sem que ele se desse conta de sua presença, ainda perdido em seus inúmeros pensamentos ansiosos.

— Boa noite, filho. Como está se sentindo hoje? — Gaara se esforçava em sorrir, o que não transmitiu muita segurança a Yagura.

— Boa noite, papai. Dormi durante a manhã, está tudo bem... — Mentiu sabendo que se dissesse que não pregava o olho há dois dias não teria a conversa, consequentemente respostas.

— Que bom ouvir isso. — Se inclinou desajeitado e deu um beijo no topo da cabeça do menino. Depois sentou na mesinha de centro em frente a ele. — Eu tenho uma novidade que é... Nossa vida vai mudar um pouquinho nos próximos meses e precisarei que você continue sendo forte e maduro como sempre.

Mudança era algo que soava muito bem para alguém que permanecia preso a mesma rotina desde que se lembrava, mas aquele pedido soava como se fossem lhe dar mais um fardo para carregar. Se perguntava se seria capaz de suportar tudo isso — as unhas arranhando com força a perna direita, sem que o ato fosse percebido pelo pai.

— Sua mãe está... — Desviou o olhar para a porta, procurando ver se algum empregado espreitava ali. — Essa conversa é particular. Por favor, nos deixe a sós.

— Sou eu, querido. — Narumi não vestia seus trajes típicos de missão ou viagem, o que foi prontamente observado pelo filho. — Espero que não tenha começado sem mim.

— Eu estava apenas preparando ele... — Abraçou a esposa com carinho e aguardou.

— Yagura querido, poderia abrir essa caixinha para mim? — Ela lhe estendeu um porta-joias de madeira muito antigo.

As pequenas mãos infantis trabalharam com cuidado ao destrancar e erguer a tampa.
Embora fosse grande, em seu interior havia apenas três pedras translucidas e bonitas. Uma vermelha e duas azuis, todas de tamanhos e formas diferentes, pois não eram lapidadas.

— Sabe o que são? — A mãe parecia a beira das lágrimas, mas evitava o choro abanando uma mão em frente ao rosto.

— Parecem com as do colar da nossa família.

Ele se referia ao colar que Narumi nunca tirava e que era fruto de uma antiga tradição de sua terra natal, a Vila da Névoa. Cada família formada tinha um com uma pedra vermelha para representar o marido e uma azul para representar a esposa, a cada criança gerada uma pedra era adicionada de acordo com seu sexo.

Foi inevitável procurar em sua mãe as pedras que tanto conhecia, e lá estavam elas no pescoço da mulher. Uma para Gaara, uma para ela, uma para Yagura e duas transparentes para os dois bebês que não chegaram a nascer — sentiu o peito apertar com a ideia.

— Exatamente, querido. — Tomou a mão do marido em busca de força. — Há alguns dias eh tive uma desconfiança e tive que ir ao hospital para ter certeza. Nossa família vai crescer.

— Eu vou ter um irmão? — Tremeu, porém dessa vez por conta de uma sensação boa que subiu a barriga e parecia querer se espalhar por todo corpo. Uma felicidade que não cabia no peito e teve que ser externada em forma de lágrimas.

— Vai! — Gaara sentou ao lado do menino e o abraçou com força. Por mais que estivesse feliz, nunca sentiu tanto medo na vida. Não sabia como lidaria com outro aborto, muito menos com a perda da esposa caso o pior acontecesse.

— Na verdade, você terá três. São trigêmeos. Duas meninas e um menino. — Ela se rendeu ao choro que encharcou seu rosto.

Foram necessários vários minutos do melhor silêncio que Yagura experimentou na vida para que todos se recompusessem. Os corações da família pareciam bater em uníssono, enquanto a emoção percorria de um para o outro naquele abraço triplo.

— Sua mãe e eu conversamos bastante e decidimos que você pode escolher o nome do menino. Você quer?

— Shukaku — falou sem qualquer dúvida.

— Como? — Narumi olhou para o marido em busca de apoio.

— O nome do meu irmãozinho será Shukaku, pois é graças a ele que estou vivo e bem. É uma forma de agradecer. Por favor.

Nenhum dos dois pareceu satisfeito com a ideia, e foi Narumi a primeira a tentar protestar, porém Gaara fez um sinal para que se contesse.

— É um nome muito forte. Obrigado, filho.

— Suas irmãs serão Amaya e Karura. — Essa frase saiu muito mais dura do que deveria. Narumi se levantou e pegou a caixa de madeira de volta.

— Como as vovós... Gostei.

— Isso mesmo. — Olhou a mulher que beijou a bochecha do filho e saiu em direção ao quarto do casal. — Amanhã terminamos isso. Durma bem e, se precisar, sabe que pode vir no nosso quarto.

— Está bem. Obrigado, papai.


No decorrer das horas em que permaneceu acordado, mirando o teto de seu quarto, pensou em como seria ter irmãos correndo pela casa. Seria uma grande responsabilidade ajudar seus pais com três bebês, só que dessa estava ansioso por isso. A vida tinha um novo propósito e até mesmo o possível fim dela parecia menos doloroso de se imaginar, pois sabia que se Shukaku não desse mais conta de manter seu corpo funcionando, ao menos sua mãe teria três filhos para amar em sua ausência.

Fosse como fosse, não se preocuparia com isso agora, afinal a vida ainda havia de o surpreender muitas vezes.

Família Sabaku - MenmaNGTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang