Will Solace vale a pena

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POV Nico Di Angelo

Acordei sentindo como se tivesse o dobro do meu peso, e consciente até demais do frio ao meu redor. Hesitei em abrir os olhos, não queria mesmo ter uma noção ampla da minha frustração, suspirei, mas após alguns segundos eu os abri.

Como esperado não havia corpo nenhum em meus braços, e nenhum sinal de Will, ou do seu cheiro nos travesseiros ao qual eu já havia me acostumado. No lugar da decoração calorosa do quarto dele, eu tinha as paredes frias de pedra do palácio em que vivi desde sempre. Eu estava de volta ao inferno.

Ergui meu tronco, notando que a impressão que tive quando acordei, de estar com o dobro do meu peso, não era apenas uma impressão. Sequer precisei me voltar para o espelho na parede, senti elas se abrirem assim que tiveram espaço para tal, inclusive deixando para trás algumas penas sobre a roupa de cama. Minhas asas estavam de volta.

Me levantei devagar, estava a tanto tempo sem poder voar que parecia estranho reaver esse dom agora. Bastou um breve vislumbre do espelho e eu notei o resto da minha composição, a armadura de ferro estígio que eu usava quando liderava o inferno ao lado do meu pai, os olhos incapazes de voltar ao castanho e sempre brilhando em cor de sangue, o sigilo de Lúcifer tatuado no pescoço e as espadas e facas de ossos presa à bainha.

Poderia ser pior, eu poderia ter chifres como outros demônios menos afortunados. 

Mas ainda sim, não pude evitar pensar que Will me detestaria com aquela aparência. E estaria certo de fazer isso.

Troquei aquela quinquilharia pela minha jaqueta de couro e me ajeitei, não que isso me fizesse parecer minimamente humano novamente, e finalmente sai desbravar o já conhecido palácio do submundo de papai. A cada novo corredor em que eu virava podia ouvir gritos e súplicas de pessoas castigadas, conseguia ver as almas ceifadas vagando sem rumo e até mesmo sentir o cheiro do desespero que as paredes grossas e frias exalavam. Eu sabia de cor o caminho até a famosa sala do trono, e pude encurta-lo com uma ou duas viagens nas sombras. Era bem mais fácil usar meus poderes ali, quase automático.

- O bom filho à casa torna. - E ali estava ele, um homem robusto e de terno, sentado num trono de ossos acinzentados e com a coroa de ferro pendendo na cabeça, havia apenas um tapete branco que me levaria até Hades, o resto do cômodo era vazio e mórbido.

- Papai. - Saudei, não muito animado enquanto dava passos largos até sua frente. Não me curvei, afinal, não era um dos seus empregados.

- Teve boas férias? - Evitei demonstrar que estava surpreso que ele se importasse, mas era algo raro demais e não consegui esconder a expressão, no mínimo, perplexa.

Pigarreei e pus as mãos para trás do corpo.

- Gostei tanto que pensei em pedir que você me deixasse lá por mais um tempo. - Tentei fazer a fala sair despretensiosa, afinal, se ele soubesse que eu tinha interesse nisso, começamos uma barganha.

E nunca é uma boa ideia barganhar com o rei do inferno.

- Hum… - Meu pai me analisou de cima a baixo, os olhos tão frios que me arrepiaram a nuca. - Não. 

- Eu quero ficar lá mais um tempo. - Aumentei a voz, pensando que se fosse mais autoritário ele entenderia que eu não estava lhe dando a opção de recusar.

- E então, vai querer seu posto de comando de volta ou prefere continuar na área de tortura como no último século? - Hades seguiu falando, gesticulando para lá e para cá, ignorando completamente meu pedido.

- Pai, eu disse-

- A minha resposta é não. - Ele me interrompeu antes que eu tivesse a chance de reformular minha fala. E, pela primeira vez desde que eu chegara, vi seus olhos negros brilharem com uma sombra vermelha. Aquilo não era nada bom. - Você tem um papel a cumprir aqui, e também, não tem nada que te prenda a superfície… ou tem?

EnviadoOnde histórias criam vida. Descubra agora