Capítulo 50

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Abro os olhos com dificuldade, quase como se as pálpebras fossem pesadas demais para se sustentar, mas fecho-os imediatamente. A claridade do dia fazendo-os lacrimejar. Pisco algumas vezes e então finalmente abro-os. Meu coração dá um salto no mesmo instante. Não estou em casa. Não estou em nenhum lugar que me seja familiar. Antes que eu possa pensar no que está acontecendo, sinto a cabeça girar. Levo a mão à boca com medo de que possa vomitar a qualquer momento.

Com cuidado, sento-me e olho em volta. Estou numa cama de dossel no meio de um quarto de paredes arredondas de pedra áspera e cinza. Tapetes de pele cobrem o chão duro, e velas derretidas se espalham pelo cômodo, como se ainda fosse outro século. Na parede oposta à cama, ao lado de uma lareira, há uma espécie de escrivaninha de madeira com alguns papéis espalhados sobre ela. Viro a cabeça para o lado, à minha esquerda. O vento frio que entra pela janela faz com que suas cortinas compridas vermelhas de veludo dancem no ar.

Sentada, a tontura parece ter aumentado. Apoiando-me na parede, fico em pé e corro para a janela aberta. Levo parte do corpo para fora e começo a expelir qualquer coisa que tenha em meu estômago.

Depois que o mal estar se vai, mantenho-me apoiada no parapeito. O ar frio contra o rosto ajudando a me recuperar. Olho para a paisagem a minha frente. Um campo branco se estende por quilômetros e mais quilômetros adiante, como um mar congelado. Não faço ideia de onde estou.

Tento me lembrar dos últimos acontecimentos. Lembro-me do ocorrido no vestiário, de Henry me levando para casa e então de ele vindo para cima de mim. Mas depois disso, mais nada. Minha cabeça dói com o esforço.

Respiro o ar congelado e então volto a me sentar na cama, tentando pensar numa forma de sair daqui. Tateio meus bolsos atrás do celular, mas não encontro nada. Estão todos vazios. Tenho de achar uma maneira de contatar Logan e os outros.

Olho para a escrivaninha e penso ir até lá revirar os papéis, mas algo me interrompe.

A maçaneta da porta do outro lado do quarto se mexe. Com um rangido a porta se abre, revelando uma garota. Ela é espantosamente bonita. Seus cabelos castanhos caem em cachos pelas laterais do rosto, enquanto seus olhos chocolate brilham. Os lábios vermelhos em formato de coração. Não deixo de notar que sua pele é tão pálida que eu duvido que esteja viva.

Quando ela me vê, abre um sorriso expondo seus dentes pontudos e diz num sotaque estranho, "Acordaste!"

Continuo olhando para ela sem me mexer. Ela atravessa o espaço que nos separa e se senta na cama ao meu lado. Olha para mim sorrindo e dá um tapinha em seu colo. "Deita cá." E coloca a mão em minhas costas, guiando minha cabeça até o local. "Gostava de contar-te uma história," diz enquanto penteia com os dedos meu cabelo. Com medo de que ela me faça alguma coisa, fico paralisada, apenas sentindo seu toque. "Havia esta pobre menina, Emma. Ela-"

"Quem é você?" pergunto, baixinho.

Seus dedos param de correr por meus cabelos, e ela baixa os olhos para mim, séria, como se incomodada por ter sido interrompida. "Digo-te depois. Primeiro a história."

"Tudo bem," sussurro.

"Havia esta menina, Emma. Era muito pobre. Em casa não tinham um pedaço de pão para comer e por isso fora obrigada a trabalhar desde cedo. Era uma criança, mas, mesmo assim, era obrigada a ir à fábrica de roupas trabalhar por exaustivas horas até não aguentar mais. Aos dozes, perdeu tudo ficando órfão. Sem escolha, passou a morar nas ruas. No começo foi difícil, porém logo aprendeu os truques de se viver sem um teto. Por quatro anos foi vendedora de rua. Não ganhava muito, mas conseguia sobreviver. Em uma dessas vendas, já aos dezasseis, um homem gentil viu a pobre e descalça Emma e encantou-se por ela. No mesmo instante ofertou que se juntasse a ele. Não teria mais de trabalhar, não teria mais de sofrer. Apenas deveria seguir os ensinamentos do homem. Emma aceitou no mesmo momento. Estava cansada dos perigos da rua. Já tinha quase morrido uma centena de vezes.

"No lar do homem gentil conheceu dois rapazes. Um deles muito charmoso, mas também um pouco hostil e arrogante. No começo ele não era bom para ela. Sempre dizendo palavras cruéis. No entanto, com o tempo, Emma conseguiu fazê-lo gostar dela. Logo o belo rapaz deu-se conta de que ela não era uma ameaça, mas sim uma companhia. Tornaram-se inseparáveis desde então. E estão juntos para sempre." Termina a história e se cala, um silêncio gigantesco entre nós.

"Por que me contou isso?" Quebro o silêncio. Levanto-me do colo dela, ficando sentada na cama novamente. Olho para seu rosto tentando encontrar alguma resposta nele. Não deixo de notar que seus olhos de bambi lhe dão um aspecto inocente.

"Pensei que ias gostar." É tudo o que ela diz, dando de ombros.

"Quem é você?"

"Podes chamar-me Enndolynn." Ela sorri, e eu congelo. Enndolynn! A tal Enndolynn que Lisa e Jason haviam mencionado. Na minha imaginação eu via uma mulher poderosa e manipuladora, não uma garota da minha idade doce e tímida. Mas Bernard estava o tempo todo atuando, estaria ela fazendo o mesmo? Ele também disse que não deveria confiar em vampiros.

"E por que eu estou aqui?'

Ela franze o cenho. "Porque precisamos de ti," diz de uma forma que tenho a impressão de que não vai revelar mais do que isso.

Desvio o olhar dela e examino o quarto em volta. "E onde estamos?"

"Shh," ela diz colocando as mãos frias sobre as minhas, como tentando me conter. "Bernard pode sanar as tuas dúvidas quando voltar. Só estou a fazer-te companhia. Pensei que te sentias só." Bernard. É claro que ele está por trás disso. Logan disse que eu corria o risco de ser sequestrada, e foi exatamente o que aconteceu. Deveria ter sido mais cuidadosa. Mas eu não esperava que o namorado da minha quase amiga fosse um vampiro. Para falar a verdade, nunca tinha prestado atenção nele até aquele dia. Bernard saberia ocultar a identidade de um vampiro quando quisesse? Afinal, eu também nunca suspeitei que ele fosse um.

"E onde ele está?"

Ela desvencilha de mim e se levanta bruscamente. "Estás a incomodar-me."

"Desculpa," digo. "Mas se coloque no meu lugar. Como se sentiria se acordasse de repente num lugar estranho e não soubesse nada?"

"Bernard te dirá tudo," diz seguindo na direção da porta.

"Espera!" Levanto-me da cama também. Ela para onde está e olha para mim, esperando. "Que lugar é esse?"

"A nossa fortaleza," responde e sai com pressa, fechando a porta trás de si.

Vou até a porta tentar forçar a fechadura, mas é tarde demais, ela já está trancada.

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