O Poder da Terra

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Autora:  AnaVieira212121

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Autora:  AnaVieira212121


Gaia estava sentada em um banquinho da praça, rodeada de pré-adolescentes.Observou sua melhor amiga, Júlia, mostrando o celular novo para Bia, Pedro eAmandinha. Joca tinha passado por eles de bicicleta, levando Carlos Fernando sentadona garupa, e os dois pararam para conversar. Somou-se a eles, Fernanda, maisconhecida como Nanda. Nanda era irmã de Pedro e vivia querendo andar com a turma,mas eles já tinham todos 12 anos, enquanto Nanda só tinha 9, ou seja, era apenas umacriança.

Ela ria com seus amigos, curtindo aquela tarde quente de sexta feira, que

desabrochou em pleno mês de julho, em meio ao inverno. Era uma sorte, de fato.Permitiu a ela sair de vestido, mostrando suas pernas magras que já não viam o soldesde abril, quando o tempo começou a esfriar e toda a cidade encerrava-se em calçascompridas e casacos.

Em meio àquela alegria tranquila e doce, advindas de trocas inocentes entre

crianças que já pensam ser muito adultas, Gaia sentiu uma pontada desconfortável nabarriga. Pensou no que tinha comido no almoço: arroz, feijão, sobrecoxa de frango echuchu com cenoura refogados – tudo estava bem gostoso, nada lhe parecia estragado,que pudesse ter lhe dado uma dor de barriga.

Sem querer deixar a companhia dos amigos, Gaia aguardou que o desconforto

passasse. Conforme passavam-se os minutos, no entanto, a dor foi se tornando maisaguda, atravessando seu ventre, como se lhe cortassem. Mesmo suas costas, depois deum tempo, passaram a doer, na região da lombar. Ela sentiu um suor estranho e friocolar em seu rosto, que nada tinha a ver com o calor agradável da tarde.

Já sem conseguir concentrar-se nos amigos, Gaia deu uma desculpa, dizendo que

precisava ir para casa fazer o dever de matemática. Quando levantou-se, esticando ocorpo, a dor pareceu acentuar-se, cobrindo a menina de surpresa e preocupação. O quehavia de errado com ela?

Assim que deu o primeiro passo, no entanto, ouviu os gritos:


- Sangue! – gritou Joca, apontando em sua direção, com uma expressão

completamente perturbada.

- Gaia, você está sangrando. – apontou Pedro, enquanto Nanda soltava um grito

agudo e agarrava o braço do irmão.

- Alguém ajude a Gaia! – Carlos Fernando foi imperativo. – Júlia, pegue esse seu

celular novo e liga para o SAMU.

- Não é para tanto, isso é só menstruação! – disse Júlia, muito sabida. – Minha

mãe me explicou tudo. Depois de certa idade, as meninas viram mocinhas e sangramtodos os meses pela vagina.

- Todos os meses? – perguntou Bia, horrorizada. – Isso vai acontecer comigo?

Não tem como eu impedir?

- Pela vagina? – escandalizou-se Carlos Fernando. – Eca. Isso é nojento!

A comoção era geral. O vestido verde de Gaia tinha uma grande mancha escura naparte de trás, de um tom de vermelho denso e profundo. A menina não sabia o que fazer,o desespero apertando-lhe a garganta, enquanto seus amigos gritavam e especulavamsobre a sua situação.

O pânico a tomou, e ela correu dali, ignorando os gritos de Júlia para que voltasse.

Embrenhou-se na pracinha arborizada da pequena cidade onde morava, na direçãoonde ficava sua casa. Não conseguiu mover-se tão rapidamente quanto gostaria, pois abarriga ainda doía excessivamente, e até mesmo suas pernas não pareciam quererfuncionar como de costume.

Um tropeço levou-a a arrebentar um chinelo, deixando-a descalça. Gaia xingou

alto, agradecendo que sua mãe não estava ali para ouvi-la falar palavrão, e pegou oschinelos nas mãos, decidida a chegar em casa o quão rapidamente sua dor e sua falta desapatos a permitissem.

Até que, então, Gaia sentiu que o sangue escorria por suas pernas, pingava dela.

Ela olhou para baixo, o sangue traçando uma linha na pele, descendo pela parte internada coxa. Não era uma quantidade exorbitante de sangue, mas uma gota chegou a atingiro chão, molhando a terra.

E de repente, força pareceu atingir seus pés descalços, subindo pelas suas pernas,

como se a terra lhe tivesse devolvendo o sangue. Os dedos dos pés de Gaia mexeram-se,afundando na terra escura, na medida em que a menina sentia uma energia inigualáveltoma-la.

Já sem pressa de ir para casa, ela deixou-se sentir o poder da terra envolve-la. Sua

dor aos poucos tornava-se força, e Gaia sentiu-se em total sintonia com a natureza, emuma espécie de conexão com o mundo, como se fosse mais do que uma adolescentecomum, reconhecendo a pujança de cada gota de sangue.

Ela, assim, sorriu, pensando em como seus amigos eram bobos. Que bobos eram

Carlos Fernando, Joca, Pedro, Nanda, Bia e até Júlia.

Se ela precisava sangrar, se permitiria sangrar sem desgosto ou embaraço. Gaia

sabia que vinha da terra, e para a terra retornaria.


FIM

ANTOLOGIA GIRL POWERWhere stories live. Discover now