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Ter que encarar o meu pai depois de tudo o que aconteceu está sendo difícil. Rayleigh se recusa a contar sobre seu novo experimento genial, então só me resta respeitar sua decisão enquanto tentamos dar respostas cabíveis ao nosso pai. Não que isso esteja sendo fácil, ele nos conhece há 70 anos. O qual ridículo é tentarmos mentir para ele? Ou como Ray está dizendo: omitir.
Zerek no que lhe concerne, está muito bem recuperado, ele pediu milhares de desculpas por ter perdido o controle e nosso pai o entendeu completamente, sabendo da influência que a lua tem perante ao jovem mestiço. Também fiquei surpresa e feliz quando o lobo decidiu não sair do meu lado, meu pai lançou um olhar estranho ao encarar o animal pela primeira vez, não que isso tenha mudado nas outras. Mas ele autorizou que o lobo ficasse comigo.
Agora meu irmão e eu estamos no salão do trono sendo interrogados pelo rei.

— Estou esperando por dois dias. — Ronan nos observa atentamente, nada escapa de seus olhos. — Quando irão me contar como saíram para o outro lado dos muros? E o mais importante… a luz do dia?

— Saímos pela janela do laboratório do Ray, fomos até o estábulo e pegamos dois cavalos para nos misturamos com os humanos. — mantenho minha voz firme enquanto meus olhos nunca deixam os de meu pai, afinal, nada do que eu disse é mentira. — Quanto ao sol, creio que o senhor notou que estávamos com grandes e grossas capas, só as tiramos ao anoitecer para proteger Zerek do frio.

Os olhos vermelhos de Ronan seguem de mim para meu irmão encolhido ao meu lado, ele não demonstra nenhuma emoção. E sei que não estamos conversando com o nosso pai, mas com o rei.

— Rayleigh, arrume suas coisas, você voltará para o vilarejo do norte ainda esta noite. — sinto o impacto de suas palavras, porém, meu irmão não parece surpreso. Ele já esperava isso.

— Por quê? — o desespero está estampado na minha voz. — Não foi culpa dele, você mesmo concorda com isso, não pode mandar ele embora por algo que não teve culpa.

Sinto a mão fria do meu irmão no meu ombro desnudo pelo vestido preto que estou usando. Meu pai não parece se abalar com nada do que eu disse, então meu irmão acena com a cabeça antes de se retirar do local. Sinto meus olhos começando a arder, uma pressão subindo desde o final da minha coluna até minha garganta.

— Saia! — foi a única coisa a ser pronunciada pelo rei Ronan.

— Se meu irmão passar por aqueles portões, o senhor nunca mais irá me ver. — isso é tudo o que digo enquanto viro as costas para sair daquele lugar, mas paro quando ouço sua voz.

— Quando decidirem me dizer a verdade, ele volta.

Fecho os olhos com força tentando manter o controle das minhas emoções. Do lado de fora, no corredor encontro Zerek e ao seu lado o lobo esperando por mim. Um pequeno sorriso fraco me escapa, mas eles não chegam aos meus olhos cheios d'água. Zerek abre seus braços para mim e pulo em sua direção sentindo seu corpo contra o meu. Seus braços passam pela minha cintura enquanto os meus rodeiam seu pescoço. Eu senti tanta falta disso...

— Sinto muito. — sussurrou no meu ouvido, fazendo todos os pelos do meu corpo se arrepiarem. — Se eu não tivesse agido daquela forma, nada disso estaria acontecendo, me perdoe, princesa?

— A culpa não é sua, meu pai sempre fez o que acha certo, mesmo não sendo. — ainda com a voz embargada sinto a raiva crescendo cada vez mais. — Preciso fazer algo, nos vemos depois.

Antes de me afastar por completo de seu corpo, deixo um simples beijo em seus lábios. Quase consigo sorrir pela reação do mestiço, os músculos tensos e o olho dourado arregalado.
Começo a seguir meu caminho pelo corredor e noto o lobo ao meu lado, ele age como um guarda. Sempre atento aos barulhos que estão ao seu redor.

— Precisamos de um nome para você. — comento olhando para ele enquanto caminhamos, seus olhos azuis encontram os meus, quase posso ver o desafio brilhando ali.

Solto uma pequena risada por estar ficando louca, estou começando a ver emoções humanas em um animal. Não que eu seja completamente humana.
Tento deixar todos esses pensamentos de lado, minha maior preocupação agora é impedir que meu irmão se vá novamente.
Sei que ele não vai estar nos lugares mais óbvios, então vou começar pelos lugares aonde íamos quando crianças.

A sala secreta da biblioteca.

E como eu imaginava, ali está ele, por trás de todas aquelas paredes e prateleiras de livros. Suas costas estão encostadas na parede enquanto ele observa os antigos desenhos em cima da mesa de madeira desgastada.

— Se lembra de quando achamos esse lugar? — sua voz soa tão suave que tenho arrepios só de imaginar quando suas emoções explodirem. — Você sempre foi boa em achares esconderijos quando o assunto era fugir das ordens do Rei. Tsc… mas esse lugar, esse nós achamos juntos, para fugir de algo bem pior que o Rei.

— Lycans... — murmuro tentando conter o grunhido na minha garganta, aquele dia foi aterrorizante, Ray e eu tínhamos 9 anos e ainda não entendíamos a gravidade da situação, até vermos com nossos próprios olhos várias pessoas inocentes sendo massacradas por aquelas coisas.

— Fiquei tão apavorado aquele dia. — a risada sem humor que sai de seus lábios, me doe tão profundamente. — Eu não conseguia te encontrar em lugar nenhum e por alguma razão, você me bloqueava da sua mente... pensei que tinha te perdido. Mas quando te vi encurralada por dois deles, não consegui me controlar, penso que nunca vou esquecer a sensação de queimação que senti aquele dia, era como se eu estivesse pegando fogo de dentro para fora.

Fecho os olhos tentando controlar todas as emoções que estão transitando dele para mim. Eu nunca vou esquecer da sua primeira transformação. Os olhos verdes sendo substituídos pelos vermelhos, as presas e as garras crescendo. O ódio, tinha tanto ódio em seus olhos. Foram questões de minutos para um garoto de 9 anos matar dois lycans com as próprias garras.

— Depois daquele dia jurei para eu mesmo, que sempre iria te proteger. — balanço a cabeça concordando com suas palavras, Ray levanta seus olhos aos meus e me assusto ao ver aqueles tons de verde e não os vermelhos de sempre.

— S- seus olhos... verdes. — um sorriso ladino surge em seus lábios enquanto concorda com a cabeça.

— Você prestou bastante atenção nas nossas aulas? Sabe quando os olhos de um vampiro voltam ao tom anterior da primeira transformação?

Engulo em seco balançando a cabeça.

— Quando encontram a sua fraqueza... — Rayleigh sorri abertamente e caminha em minha direção deixando um beijo em minha testa. Quando se afasta seus olhos já voltaram ao habitual vermelho e ele aperta meu nariz.

Fraqueza estúpida, nunca mais tenha a brilhante a ideia de sair para o outro lado dos muros. A não ser é claro, que eu esteja junto. — seu sorriso se fecha e ele suspira profundamente antes de me abraçar. — Será possível que a fraqueza também seja a nossa maior força?

Sem conseguir dizer nada, passo meus braços em volta da sua cintura apertando forte.

— Não vá, não de novo. — sussurro contra seu peito. — Quem vai me perturbar com suas bobagens? Ou esconder meus livros favoritos só para me fazer procura-los por todo o castelo? Quem vai sempre deixar uma rosa no meu travesseiro quando eu estiver triste? E quem vai ser o meu gêmeo estúpido?

— Vai ficar tudo bem. — ouço seu murmuro, mas suas palavras não chegam ao meu coração. — Eu prometo!

Blood (Sangue)Where stories live. Discover now