12 de dezembro de 2020 - Dia 26 da luz

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Passei dias sem coragem de colocar o nariz para fora da janela. Passei bastante calor, mas a janela ficou devidamente fechada e a cortina cerrada por dias a fio.

É claro que eu não me considerava o Grinch. Porém, preso dentro do meu próprio quarto naqueles dias, fiquei pensando se eu não era. Afinal, faltavam menos de duas semanas para o Natal e eu não tinha montado nada em casa. Nem um Papai Noel para contar história. Nem uma daquelas árvores pequenininhas. Nem uma luzinha brilhante. Nada mesmo.

Minha mãe seguia trabalhando muito e eu continuava com a fuça enfiada dentro dos meus livros e dos meus vídeos. Era justificável que nem sequer tivéssemos pensado em montar algo de Natal naquela casa, mas, ao mesmo tempo, parecia um pouco errado. Especialmente quando morávamos em frente a uma pessoa com um espírito natalino tão vivo, mesmo em tempos tão horrorosos. Perto dela, talvez eu fosse mesmo o Grinch.

Quando as luzes acenderam naquela noite, senti um pouco de culpa no meu coração. Ainda por conta do grito, sim, mas também porque parecia que eu estava ignorando uma parte significativa daquela época do ano ao não dignar nem um pouco dos meus pensamentos e de minha força de vontade as decorações de Natal. Estranhava um pouco minha mãe não ter tentado esboçar uma arrumação, mas a coitada vivia atrás do laptop, com o celular no ouvido e falando "escuta aqui, você está com uma percepção errada do caso" para cima e para baixo.

Talvez tudo aquilo tivesse acontecido por um motivo. E talvez o motivo fosse que eu agisse como o preposto de Papai Noel naquela casa, já que minha mãe nem tinha tempo para pensar nisso. Com um plano minimamente traçado na minha cabeça, esperei ela aparecer no meu quarto. Ela sempre enfiava a cabeça para dentro entre sete e meia e oito da noite, quando conseguia desligar o computador do trabalho, e perguntava se íamos jantar juntos. Não foi diferente naquela noite.

— Na verdade, mãe — eu disse, girando na cadeira de rodinha da mesa de trabalho para encará-la. — Estava pensando em arrumarmos as coisas de Natal hoje, o que você acha?

— Ah! Meu Deus — ela disse, soando surpresa. — Sabe que eu me lembrei disso outro dia, mas aí o Marcos me ligou e eu acabei me esquecendo de falar com você para fazermos isso...

— Faltam menos de duas semanas e não tem nada montado — comentei, compartilhando a percepção de estranheza que tive quando me dei conta disso. — Parece errado, não parece?

— Com certeza! — Minha mãe respondeu, parecendo animada com a sugestão. — Vou pegar as caixas no armário!

— A gente pode jantar uma coisa simples hoje, para não dar muito trabalho — disse, levantando da cadeira para segui-la para o corredor. — De repente um miojo?

— Que miojo o que, Murilo! — Minha mãe riu só de considerar a possibilidade. — Nessa casa não se come miojo!!!

Não dava para dizer que eu não tinha tentado. Nós dois tiramos as caixas do armário, levamos até a sala e entramos em um mundo de bibelôs, bolinhas com glitter e pisca-piscas que não piscavam mais. Todavia, estávamos mesmo é mergulhando em um mundo de lembranças de natais passados, de momentos felizes e de expectativa de anos melhores. Um pouco mesmo do que a gente precisava na reta final daquele ano maluco. A casa talvez não ficasse tão decorada quanto a da nossa vizinha, mas nos esforçaríamos para que ela ficasse suficientemente decorada para nos dar um pouquinho de esperanças no futuro. Estávamos precisando muito.

A Luz Que Há Entre NósWhere stories live. Discover now