21 de dezembro de 2020 - Dia 35 da luz

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Luzia e eu nos falamos todos os dias. Meus estudos noturnos estavam um pouco prejudicados, mas eu decidi que podia me dar um pouco de férias depois das sete horas, quando as luzes acendiam. Muitas vezes pedi para minha mãe para jantarmos mais tarde, porque queria continuar falando com ela. Depois do primeiro shhh dos vizinhos recebemos vários outros e, às vezes, conseguia ver uma carinha ou outra no prédio dela de olho na nossa conversa. Uma vez vi até sua mãe, escondida na janela do que devia ser o quarto. Ela percebeu que eu a vi e acenou. Acenei de volta, mas Luzia não percebeu. Estava distraída olhando para o céu e contando alguma história maluca sobre como ela queria ser astronauta quando era criança. Todo dia eu ria com as histórias dela.

Estava estudando química orgânica com afinco, mas esperava ansiosamente o momento que meu quarto seria invadido por suas luzinhas. Já era um novo código para o início de nossas conversas. Estava terminando de dar um nome IUPAC superdifícil para um composto carbônico quando minha mãe enfiou a cabeça dentro do meu quarto. Achei que ela estaria me chamando para jantar mais cedo daquela vez mas, contrariando minhas expectativas, o que ela disse foi:

— Estranho, né filho?

— Estranho o quê? — Perguntei, sem entender.

— As luzes não ligaram.

Suas palavras me atingiram com um baque. Como assim? Olhei para o relógio com o coração acelerado, sem acreditar que já tinha passado a hora das luzes ligarem. A realidade me devolveu o fato de que já eram oito da noite. Larguei a nomenclatura para trás e corri até a janela, sem entender nada.

A varanda estava completamente apagada. O apartamento todo estava, na verdade. Não havia nenhum sinal de vida lá dentro. As cortinas estavam todas fechadas e tudo parecia apagado. Estranho era pouco para definir o que se passava ali. Luzia nunca tinha deixado de acender as luzes, em nenhum dia. Ela sempre seguia o ritual e as ligava no mesmo horário. Tanto que elas tinham virado uma parte da rotina da minha própria casa, a ponto de minha mãe estranhar.

Estava preocupado. Será que eu tinha dito alguma coisa no dia anterior que tivesse criado esse tipo de reação em Luzia? Não conseguia me lembrar de nada. Nossas conversas tinham seguido o mesmo tom despretensioso e meio engraçado de todas as outras vezes. Então por que suas luzes não estavam ligadas? Será que eu deveria colocar minha máscara, minhas luvas e meu face shield e ir até a portaria dela?

Mas aí eu ia dizer o quê também? "Licença, seu porteiro. Estou preocupado porque uma pessoa não ligou as luzes de Natal dela hoje" não parecia muito convincente. E, para piorar, eu nem sabia detalhes do apartamento dela. Não saberia dizer o número, por exemplo. Por acaso eu era fiscal de pisca-pisca agora?

Pelo jeito sim. Porque passei o resto da noite de olho na varanda, esperando ansiosamente pelo momento que Luzia ia sair do exílio e reaparecer, com alguma explicação esdrúxula sobre onde ela esteve. Compartilharíamos algumas risadas, eu contaria da minha vontade de ir até sua portaria e combinaríamos um horário mais cedo no dia seguinte, a fim de compensar as horas perdidas de hoje. Todavia, o tempo foi passando, o sono foi chegando e ela não apareceu.

Deitado em minha cama, em meu quarto completamente escuro, experimentei uma inédita sensação de incompletude. E verdade seja dita, tristeza. As coisas com Luzia tinham começado de uma forma muito esquisita, mas vinham se desenvolvendo de uma forma que me deixava feliz. A quarentena com certeza estava me deixando louco porque eu estava com saudades das luzinhas de Natal de minha vizinha... E talvez dela mesma.

A Luz Que Há Entre NósWhere stories live. Discover now