24 de dezembro de 2020 - Dia 38 da (volta) da luz

119 23 4
                                    

Era perto de oito da noite quando eu coloquei minha mesa de estudo vazia bem pertinho da janela do meu quarto. Tinha tirado todos os fios, computadores e parafernálias de estudo de cima dela. Minha mãe chegou com uma toalha temática e estendeu-a em cima dela. Ela estava muito engraçada, usando um arquinho de rena. Não que eu pudesse falar muito, já que continuava com meu gorrinho temático. As luzes do dia anterior também seguiam penduradas na janela. Minha mãe foi buscar os pratos de comida na cozinha e eu olhei pela janela.

A cena me deu vontade de chorar de alegria. Todos os meus vizinhos estavam em suas respectivas varandas e janelas decoradas, até mesmo a janela do gato e a varanda do cachorro. E, excepcionalmente naquele dia, os dois não estavam latindo. Todo mundo tinha improvisado uma pequena ceia natalina no melhor estilo separados, porém juntos. Era estranho que todo mundo morasse tão perto, mas nunca tivessem se falado direito antes de todos os acontecimentos com as luzes de Luzia.

Ela mesma também estava em sua varanda. A rede tinha saído de cena e uma pequena mesa tinha sido colocada no pequeno espaço. Ela estava mais bonita do que nunca, com um vestido vermelho soltinho e um lenço esverdeado em seus cabelos soltos. Acenei para ela, esboçando a coragem de dizer que ela estava muito bonita. É claro que antes que eu tivesse essa chance, ela deu sua opinião:

— Adorei seu gorro, Murilo!

Dei um sorriso encabulado, arrumando-o na minha cabeça. Minha mãe tinha terminado de trazer nossa ceia de Natal para aquela mesa improvisada bem a tempo de ouvir o comentário da garota. Chegou perto de mim e me deu um cutucão.

— Por que você não a chama para sair? — Disse ela, me cutucando repetidamente, apontando com a cabeça na direção de Luzia.

— Mãe! — eu disse, mortificado com a possibilidade de ela ter falado alto demais. — Estamos em pandemia!

— Ora, essa! Depois da pandemia! — Respondeu ela, sem papas na língua. — Olha, ela está olhando para nós!

Girei meu rosto para a varanda, sem acreditar que meu pior pesadelo aconteceu e que Luzia tinha escutado tudo. Ela estava debruçada no beiral da varanda mais uma vez, com cara de quem estava se divertindo muito com toda aquela situação. Sem ter como escapar, me dei conta de que precisava chamá-la para sair de qualquer maneira. Se não o fizesse agora, pareceria que eu não queria. E a verdade é que eu queria sim. Queria muito. Talvez fosse o que eu mais quisesse naquele Natal, depois de uma vacina para o corona vírus.

— Luzia, estava pensando se você não quer, você sabe... — comecei a dizer, com a eloquência de sempre. — Sair comigo. Um dia desses. Quando tivermos vacina, é claro.

Luzia sorriu. Meus vizinhos deram alguns gritos de alegria com meu convite. Alguns deles se debruçaram nas varandas e janelas para gritar que Luzia deveria aceitar. Dona Lili gritou que eu era um "bom menino". Encarei a menina com uma ansiedade gigantesca, quase tão grande quanto a que eu estava para o ENEM, que talvez fosse acontecer em algumas semanas, se não houvesse mais nenhum adiamento. Depois do que pareceu um milhão de anos, ela respondeu:

— Sim, Murilo, vou adorar.

Meus vizinhos celebraram. Conversamos e comemos juntos, mas separados, naquela ceia de Natal maluca, tão típica do ano atípico que 2020 tinha sido. Quando alguém gritou que era meia noite, sorri. Luzia levantou sua taça de vinho em minha direção e sorriu de volta. Era bom poder sonhar com dias melhores e com encontros com vizinhas lindas, mesmo que só por uma noite. As luzes da esperança estavam acessas e eu faria o possível para mantê-las dessa forma.

Fim

A Luz Que Há Entre NósDonde viven las historias. Descúbrelo ahora