22 de dezembro de 2020 - Dia 36 da (falta?) da luz

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Alguém provavelmente morreu no pólo norte e eu fui nomeado o novo elfo natalino. Só isso explicava o fato de que eu tinha colocado um despertador para tocar seis e meia e que, desde então, estava de tocaia na janela, de olho na varanda de Luzia. Os minutos foram passando e eu comecei a ficar nervoso de novo. Se as luzes não acendessem mais uma vez, talvez eu tivesse que ter coragem de ligar para a polícia. Aquele era um comportamento muito atípico e ver as luzes apagadas estava me deixando nervoso.

Nutri esperanças em vão, porque o relógio me mostrou que eram sete horas e as luzes continuavam apagadas. Encarei a varanda completamente sem graça. A rede continuava pendurada no mesmo lugar, mas não havia ninguém se balançando nela. Era uma cena deprimente ver todas aquelas luzes desligadas, depois que eu já tinha me acostumado com elas.

Sem saber o que fazer, comecei a bater palmas na janela. O mais alto que eu pude. Por quanto tempo minhas palmas aguentaram antes de começarem a ficar vermelhas e doloridas. O cachorrinho de alguns andares de Luzia apareceu na varanda, latindo na minha direção. Agradeci o apoio, mas mesmo assim ela não apareceu. Juntei a coragem que tinha e gritei pelo seu nome.

— Luzia! Luzia! Luzia!

Talvez ela fosse que nem o Beetlejuice e aparecesse na terceira chamada, mas infelizmente isso também não funcionou. Alguns outros vizinhos apareceram nas varandas e janelas, provavelmente querendo entender por que tinha um maluco gritando luzinha na janela no meio de uma noite de dezembro. Tentei chamá-la mais algumas vezes, mas nada aconteceu. As cortinas da sala estavam abertas, mas o vidro que dividia a sala da varanda completamente fechado.

Genuinamente preocupado com seu bem-estar e com seu paradeiro, tive que traçar uma estratégia mais elaborada. A ideia de retribuir com a mesma moeda dela me ocorreu de uma hora para outra. Saí correndo pela casa atrás dos pisca-pisca antigos que acabamos não usando na decoração por conta de uma luz ou outra quebrada.

— O que você está fazendo, menino? — Minha mãe perguntou, rindo, quando me viu correndo pela casa embrulhado em pisca-piscas.

— Estou preocupado com Luzia! — Respondi, indo diretamente para meu quarto.

Coloquei o pisca-pisca na tomada, bem ao lado da tomada do meu computador, que continuava com um vídeo sobre classes gramaticais aberto. Segurando os fios em minha mão fui até a janela. As luzes coloridas começaram a refletir no vão entre mim e ela e eu fui ajeitando-as, a fim de tentar fazer com que elas entrassem dentro de sua casa, da mesma forma que as suas entravam dentro do meu quarto.

Eu conseguia ver as luzes refletindo nas portas de vidro da varanda dela e torcia para que elas também espelhassem lá dentro, chamando atenção de quem quer que fosse. Meus braços estavam doendo de segurar tudo aquilo em uma posição específica, mas eu permaneci firme. Estava começando a perder as esperanças quando vi uma silhueta surgir do lado de dentro da casa. Observei com atenção quando a pessoa abriu a porta da varanda e pisou do lado de fora.

— Luzia! — Chamei.

Ela me encarou, sem sorrir e sem esboçar nenhuma reação. Ficou parada no meio de sua varanda vazia, com minhas luzes refletindo bem de leve em seu rosto. Baixei as luzes, confuso.

— Está tudo bem? — Gritei. — Fiquei preocupado quando você não ligou as luzes ontem e hoje!

— Na verdade, não muito — respondeu, se apoiando no beiral.

— O que aconteceu? — Perguntei, quase deixando o pisca-pisca cair.

Ela levantou a cabeça para me encarar. Podia jurar, mesmo à distância, que seus olhos estavam cheios de lágrimas. Aquela percepção doeu em meu peito, por motivos que eu desconhecia. As conversas com Luzia e até mesmo suas luzinhas, tinham alegrado meu último mês e vê-la daquela forma não condizia com a imagem que eu tinha formado dela em minha cabeça. É claro que ela continuava linda mesmo na penumbra, mas como uma deusa trágica. Não como o espírito alegre que ela sempre era.

— Não sei, estou me sentindo muito sem propósito, sabe? — Ela respondeu alto o suficiente para que eu ouvisse, mas bem mais baixo do que ela costumava falar. — Me enchi de esperanças nessa história de "novo tempo" que o Natal trás e nas esperanças de "um ano melhor" — fez aspas no ar. — Mas a quem estou tentando enganar? Não tem nada para comemorar.

— Como assim, Luzia? — Tentei articular.

— Voltamos a ter mais de 600 mortes por dia, sabe? Eu não vejo o resto da minha família desde março e eu não vejo minhas amigas há mais tempo ainda... — Reclamou ela, com toda razão. — Tá tudo tão louco que eu nem sei se vou rever todo mundo, sabe?

A voz dela falhou. Senti minha garganta fechar também. Afinal, compartilhava da mesma dor. Não via minha família desde o início do ano e já estávamos no final dele. A única família que continuava em convívio era minha mãe e era muito grato por ela poder trabalhar em casa, ao meu lado e longe do convívio diário com pessoas que poderiam portar o vírus. Tentei articular alguma resposta para Luzia, mas nem sabia por onde começar.

— Eu nem sei porque estou de falando isso — ela deu uma risada, mas dava para ver que não era verdadeira. — Enfim, estou bem. Obrigada por se importar.

— Luzia... — chamei, querendo começar um discurso bonito sobre como sua presença tinha feito falta.

— A parte boa é que agora você não vai precisar se preocupar com as luzes invadindo seu quarto durante a noite — riu de novo.

Antes de eu conseguir responder, ela entrou de volta no seu apartamento. Já de dentro da sala, acenou e fechou a porta da varanda mais uma vez. Observei-a se distanciar até sumir do meu campo de visão e me senti um completo idiota. Um completo idiota iluminado por luzes de pisca-pisca.

A Luz Que Há Entre NósWhere stories live. Discover now