22 de novembro de 2020: dia 06 da luz

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Sentia meu boné quase balançando em minha cabeça, de tão perto de meu rosto e forte que estava o ventilador. Estava radiante com minha nova aquisição, comprada por um valor aceitável em uma promoção antecipada de Black Friday. Depois da situação das luzes, aquela era a única solução possível. Quando a noite caía, não havia outra forma de continuar estudando se não fechasse a cortina e ignorasse a festa de luzes natalinas que acontecia lá fora. Mesmo com a cortina fechada, ainda conseguia ver vislumbre das cores. A raiva que sentia daquela alegria só não era maior do que o calor que meu quarto ficava com a cortina fechada. Por isso, o ventilador.

No meio de uma questão de física, minha mãe bateu na porta do meu quarto. Ela estava aberta, a fim de propiciar uma melhor circulação de ar, mas minha mãe tinha mania de bater mesmo assim.

— Ainda estudando meu filho? — Ela perguntou, inclinando-se um pouco para frente. — Já são quase oito da noite, você precisa descansar um pouco sua cabeça...

— Estou tentando estudar — eu corrigi. —Com essas luzes dignas da árvore de Natal da Lagoa Rodrigo de Freitas do lado de fora, é um pouco difícil.

— Você devia entende-las como um sinal de que já estudou por tempo suficiente — palpitou ela. — Quando elas acenderem, é hora de parar. Que tal?

— Boa sugestão, mãe — respondi, porque não queria deixa-la chateada. — Mas infelizmente não dá, ainda preciso estudar bastante.

— Você vai jantar aí hoje de novo? — Perguntou ela, em tom de muxoxo.

Olhei em sua direção mais uma vez. Queria dizer que sim. Cada segundo contava. Todavia, seu olhar entristecido fez meu coração doer um pouquinho. Nós mal nos falávamos durante o dia, já que eu estava enfiado nos livros e ela trabalhando mais do que nunca. O home office era ótimo porque a protegia do vírus, mas estava sendo responsável por um estresse maior do que o normal naquela casa. Mamãe estava trabalhando desde que acordava até quase a hora de dormir e vivia compartilhando comigo seu medo de ser demitida. Pelo que ela contava, vira e mexe a barca do desemprego catava alguns de seus colegas e ela tinha pavor de ser a próxima convocada para embarque.

Eu tinha pavor que isso acontecesse também e, por isso, me enfiava dentro dos livros. Minha mãe era meu porto-seguro e meu maior orgulho. Sua saúde física e psicológica me preocupava tanto que tudo que eu conseguia pensar era que precisava estudar o máximo que eu pudesse para lhe dar um bom futuro. Todavia, por estar focado demais no amanhã, muitas vezes me esquecia do agora. Pensando nisso, dei um sorriso fraco para ela.

— Não, vou comer com você — respondi, observando seu rosto se iluminar com um sorriso. —Vou só terminar essa questão e te encontro na sala, pode ser?

— Sim, meu filho — respondeu, dando um passinho para trás. — Vou esquentar a comida!

Bem na hora que voltei minha atenção para o livro, realmente almejando terminar a questão antes de me levantar para jantar com ela, começou a chover. E não uma daquelas chuvas fraquinhas, que levantavam o cheiro de terra molhada e davam um pouquinho de vontade de viver. Era uma daquelas chuvas de verão, que chegavam com uma pancada enlouquecedora e que alagavam as ruas do meu bairro em um piscar de olhos. Os pingos começaram a entrar no quarto e a respingar na minha mesa, então me levantei estabanado e me estiquei para fechar a janela.

Porém, quando cheguei até ela, as cortinas ventaram em cima de mim, refrescando meu quarto com a brisa da chuva. Os respingos começaram a cair em mim, mas estava tão quente que eu nem liguei. As luzes da varanda da minha vizinha refletiam entre os dois prédios, no vão costumeiramente tão escuro. Levantei os olhos para a varanda, querendo dar uma olhada melhor na decoração que tinha sido feita.

Só que ela estava na divisa da porta da sala com a varanda.

A vizinha, quero dizer.

A luz da sala estava ligada, criando quase uma moldura iluminada em volta dela. E, meu Deus, como ela era bonita. Sem esperar vê-la ali, não reagi a tempo de não ser visto. Ela levantou a cabeça e eu vi, mesmo de longe, quando seus olhos focaram em mim. Mesmo que eu estivesse na dúvida se ela tinha mesmo me visto, ela deixou tudo bem claro quando levantou a mão e... acenou.

Apavorado, fechei a janela e a cortina com a maior rapidez que pude. 

A Luz Que Há Entre NósWhere stories live. Discover now