no one knows

XII

Joguei as pernas por cima das de Miles, torcendo para que ele não reclamasse e eu pudesse relaxar e ter um segundo que fosse de sossego. Eu estava exausta. O garoto me encarou com uma cara de raiva, que logo se suavizou assim que sua mão foi de encontro à minha perna que meu shorts mal cobria, fazendo um leve carinho. Respirei fundo, encostando na parede, ouvindo o diretor dar as últimas instruções sobre nossa estreia.

Eu estaria no palco em três exatos dias apresentando Otelo pela primeira vez. 

Queria dizer que estava calma e relaxada, com todas as falas na ponta da língua, mas assim que eu ouvia da boca do diretor que faltavam três exatos dias, meu corpo todo se tremia e todas as palavras e frases shakespearianas fugiam do meu cérebro indo se esconder bem próximo da puta que pariu.

Desviei minha atenção das palavras do diretor, quando senti Miles dar um pequeno beliscão na minha coxa descoberta, apontando com a cabeça para Jeremy que tirava um belo cochilo atrás do divã que usaríamos em uma cena qualquer da peça. Prendi fortemente a risada na garganta assim que o diretor iniciou uma salva de palmas finalizando o dia de trabalho e assustando meu amigo.

- Vamos beber no Lighthouse, vocês vão? - Miles questionou assim que meu amigo se aproximou e sentou ao nosso lado.

- Só se a Sierra for. - Jeremy o respondeu, bocejando.

- E eu só vou se você for. - respondi, cruzando os braços e encarando meu amigo.

- Sierra, eu não vou decidir por nós, decida você.

- Jeremy, eu não sei tomar decisão alguma na minha vida. - encostei a cabeça novamente na parede, em completa desistência.

- Que tal eu decidir por vocês que vocês vão? - Miles deu mais um beliscão na minha coxa, fazendo com que eu abrisse os olhos para encará-lo com a sobrancelha arqueada.

- Que tal você parar de me beliscar? - levei minha mão até a sua que ainda estava sobre minha perna, prendendo sua pele entre as minhas unhas, o que fez o garoto rir e chacoalhar a mão para espantar a dor.

- Bom, pelo jeito eu só vou conseguir aguentar vocês após várias doses de álcool, então vamos para o bar. 

Apresentei um bico no rosto imediatamente, vendo que todos meus planos para chegar em casa, abrir o vinho mais barato da minha estante e me enfiar na banheira por horas e horas estava indo embora junto com Jeremy que levantava para pegar nossas coisas. 

Odeio não saber dizer o que eu quero. 

Miles empurrou gentilmente as minhas pernas de seu colo, levantando-se em seguida e eu logo ergui as duas mãos para que ele me ajudasse a levantar e assim ele o fez. Caminhei até Jeremy, pegando a minha bolsa que ele mantinha sobre seu ombro esquerdo e passando meu braço pela sua cintura. O garoto mantinha seus olhos em Phoebe que conversava animadamente com Miles ao fundo.

- Ainda na obsessão? - apertei sua cintura, vendo o garoto rolar os olhos e me puxar para a porta do teatro.

- Como dizem os jovens, aqueles dois ali são o significado de tanto faz.

- Pois eu digo mesmo.

- Difícil demais ser bissexual. - o garoto comentou, me fazendo gargalhar alto.

Assustei ao abrir a porta do teatro e dar de cara com a escuridão da noite. Não havia percebido, mas o ensaio de hoje havia acabado mais tarde que o normal. Caminhamos até o carro de Jeremy, debatendo sobre quantas poderíamos beber esta noite. Amanhã não teríamos ensaio, seria o dia que nosso diretor gostava de chamar “pré fim”, o que ele queria dizer com isso ninguém sabia, mas sabíamos que soava extremamente poético.