CAPÍTULO 6 - ÁGUAS TURBULENTAS (fase 2)

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A extenuante jornada do dia faz com que eu me sinta sonolenta após o lanche. Está escuro e preciso encontrar um local para a Luna e eu passarmos a noite. Com a luz do lampião, identifico uma pedra que tem uma cavidade, assemelhando-se a uma pequena caverna. Podemos dormir ali protegidas da chuva e do vento, além de estar cerca de um metro acima da correnteza. Afasto as folhas e gravetos e inspeciono para detectar algum inseto, aracnídeo ou mesmo cobras. Está limpo e é perfeito. Coloco minha sacola embaixo da cabeça, como um travesseiro, e puxo a Luna para se aconchegar a mim. Ela possui pelagem dupla. Há pelos externos que são maiores e outros, curtos e densos, mais próximos ao corpo. É um traço particular de raças típicas de regiões frias. Mais uma prova que aquele serzinho é fruto de alguma mutação. O barulhinho das águas que correm no riacho e a luz suave do lampião nos faz adormecer rapidamente.

Somos acordados por um estrondo. Já está amanhecendo e o tempo mudou. Chove forte e troveja. Teria que aguardar a chuva diminuir para continuarmos caminhando. Luna está alerta e suas orelhas estão em pé, atenta a algum ruído que não consigo ouvir. De repente, ela passa a fazer um barulho estranho e a rodar, como se quisesse pegar o rabo. Começo a procurar o motivo que faz minha amiga ficar tão agitada. Olho em volta e não vejo nada a princípio, até que reparo no nível do riacho. Não se parece mais com o lugar tranquilo de ontem. Noto que as águas estão mais turbulentas e escuto um barulho estranho que está cada vez mais próximo. Luna começa a puxar minha roupa com a boca, indicando que devemos sair dali rápido. Pego minhas coisas e a sigo morro acima, afastando-me do que agora já era um rio.

O barulho se torna ensurdecedor e, no ponto em que me encontro, consigo avistar a tromba d'água se aproximando, derrubando enormes árvores e levando tudo o que encontra pelo caminho. A enxurrada vai nos alcançar em poucos minutos. Fecho meus olhos e mentalizo a força que existe em mim. Os sons se materializam em luzes que me apresentam várias opções. Tenho pouco tempo para decidir e errar na escolha pode significar o fim da linha para mim. Visualizo um barco, mas algo me diz que este não resistirá aos trancos na corredeira. Um equipamento com asas aparece como a solução, apesar de desconhecer o funcionamento dessa engenhoca. Mas não há mais tempo, então estendo meus braços e na palma da mão um pequeno apetrecho, semelhante a uma borboleta aparece e sai voando, rodopiando ao meu redor e aumentando de tamanho. As asas se expandem e sobem, mostrando uma cestinha pendurada por um cabo, descendo e se posicionando em minha frente. Entro na cesta e ajudo a Luna a subir no meu colo.

No momento exato que a enxurrada iria nos atingir, um vento sopra e impulsiona as asas do aparelho de voo para acima das copas das árvores. A chuva havia parado e o céu está azul e sem nuvens. Cenário perfeito para aquele passeio aéreo.

― Escapamos, Luna. Veja a força da água destruindo tudo, inclusive o local onde estávamos.

Luna solta um pequeno uivo, como se estivesse saudando alguém.

― Sempre que observava os pássaros voando, imaginava que visão maravilhosa eles teriam do alto e agora, vivendo isso, percebo quão limitada era minha imaginação. A sensação de liberdade é incrível e poder avistar todo o horizonte nos faz ver quão pequeno é nosso mundo. Que bom que os animais também percebem o perigo e estão migrando para áreas mais altas.

De cima, consigo ver a diversidade da fauna e da flora da ilha em que vivo, seu relevo com vales, planaltos e alguns montes altos.

―Luna, chegaremos mais rápido do que imaginei ao Gelap, se o vento continuar nos levando na direção que estamos seguindo.

Minutos após eu fazer esse comentário, nuvens negras aparecem encobrindo o sol. Um vento gelado faz com que as asas daquele objeto voador que planava suavemente, oscilem para cima e para baixo. Penso que vamos cair, mas somos levados por uma lufada para a direção oposta a que estávamos indo. A ventania deixa o equipamento desgovernado. Subimos acima das nuvens e seguimos voando para o desconhecido. Eu seguro minha bolsa e a Luna bem junto ao meu corpo, com receio de perdê-las. Isso me impede de checar a bússola para saber que rota tomamos.

Fecho meus olhos novamente, procurando uma saída para aquela situação. Novos objetos se mostram à minha frente e pego uma âncora com uma corda. Assim que ela se materializa, jogo-a em direção ao chão e amarro a corda no cesto onde estou sentada. Consigo o resultado esperado e o aparelho voador começa a perder altura lentamente até pousarmos na copa de uma árvore gigante.

―Estou me sentindo mais confiante no uso desses poderes, Luna, mas ainda não entendo como fazer para evitar tantos obstáculos.

Luna se utiliza de suas habilidades de primata e desce rapidamente da árvore para sondar o ambiente lá embaixo. Enquanto isso, analiso a melhor forma de descer também, visto que estou a quarenta ou cinquenta metros de altura. Lembro-me do instrumento que pode determinar minha direção.

― Oh, não! O vento nos levou para a direção oposta e estamos, certamente, a muitos quilômetros mais distante do Gelap do que quando iniciamos a caminhada. Luna! Luna! Onde você está? Onde ela se meteu? Luna!

Início a descida cuidadosamente, segurando a corda que está presa ao cesto do planador. Enquanto me apoio nos fortes galhos, aguço a visão à procura de minha amiga. A cerca de uns dez metros do solo, não há mais local para me apoiar. Enrolo a corda em meu pulso e vou deslizando até pisar na grama úmida. Nem sinal da Luna.

A temperatura e a umidade do local formam uma densa neblina, impedindo-me de ver o que há nos arredores. A intuição me diz para ficar alerta. Caminho, vagarosamente, tentando enxergar algo e ouço o uivo da Luna. Isso me faz correr em direção ao som e não atentar para onde estou pisando. Sinto meus pés atolarem em uma espécie de poça de lama e começarem a afundar.


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Os desafios estão mais difíceis. Como Alva vai sair dessa?

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ALVA - UMA DEUSA NA FLORESTA  (em revisão)Where stories live. Discover now