casa de praia, o café está quente, a onda me dissolve.

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há três meses me despi da atmosfera clássica, então a modernidade me abraçou como uma amiga nova de bebedeira no bar que desenha meus fins de noite. contraditório como só eu poderia ter escrito, a modernidade a qual me refiro é a que ele trouxe a mim na despretensão de um vinho após café, que veio antes do parque, que foi onde eu o puxei, em frente ao lago, para um beijo bagunçado. você beija suavemente e isso me é estranho. você não me agarra com a ânsia de me sufocar e isso me é estranho. você é alto e tudo foi desajeitado porque eu estava acostumada com a rapidez dos inícios tortuosos — nunca, porém, com seus fins torturantes à minha noção de força e significância no mundo.
o jantar se deu com seus olhos em mim quando eu não segurava teu olhar. posso explicar em algum momento o porquê de não saber segurar a encarada, mas não sinto que seja necessário, já que, quando seus olhos estão em mim e só em mim, eu sinto que seguro com minha aparência. meu cheiro. meu corpo e minha boca. e com meus tons mais subcutâneos; esses não sei se você reparou, nunca ninguém reparou. fomos ao seu apartamento e eu não lembro o resto, mas lembro de querer esquecer alguém que jamais me tratou com o cuidado que você me ofereceu. não agradeço pois sinto que era sua obrigação naquele momento, mas posso dizer que velvet underground sempre é minha trilha após nosso sexo e isso deve significar algo.
a casa de praia nos abraçava enquanto as ondas atravessavam as paredes quando estávamos juntos e nossos corpos se colavam quase como se nossas costelas pudessem entrar no vão uma da outra e formar uma só caixa torácica – abrigaria dois corações, nesse caso. mas eu não citaria coração nos meus escritos sobre você, mesmo que fosse o literal, porque todo o nosso idealismo me assusta e você sabe disso. também sinto uma sensação claustrofóbica insuportável com seu olhar sobre mim, pois sinto que você repara em defeitos que não estão estampados em minha face. minha intelectualidade não impressionante e minha insegurança – que está me fazendo escrever isso agora – são os pontos que eu precisava esconder enquanto virávamos pó em sua cama e eu escorregava por seus dedos ao que seu olhar terminava de dar fim ao meu penar. mas continuei sufocada pelo que engolia, até que a náusea viesse acompanhada do vinho que eu tomava com você. vomitei por todo o ambiente, sujei meu sentimento e tudo o que poderia remeter à você porque eu não saberia lidar com o torpor que o amor me traria, mandei uma despedida – mais tarde você descobrirá que é algo genérico para expulsar quem parece morada em potencial. e você foi me buscar de novo, como o bom menino que é.
mas não sei lidar.
não sei.
eu sei e posso confiar em você, mas não sei como o quero.
não quero que você tente arrumar a casa também. não tente. abrace-me e espere pacientemente que a ampulheta derrame a areia restante, pois continuo sendo insanamente caótica e amarga e jamais confiaria em alguém que pudesse me oferecer amor. não alguém tão bom.
enquanto não vou, passe os dedos por meu corpo e seus lábios pelos meus enquanto cocteau twins toca quase em som ambiente e eu guardo cada minuto e toque como se eu fosse acostumada com o que carrego agora no peito.
despeça-se de mim com o carinho que se dá às plantas de um apartamento de chão de taco. beije-me, pinte-me e ouça-me com a devoção que se dedica à religiosidade fundamentalista. amanhã coloco fogo na camisa dos smiths que você me deu e quebro os discos que ouvimos. vendo os livros em um sebo e apago os filmes indicados do histórico. apago a arte em nome da minha saudade de você, mas hoje quero que você blasfeme meu desamor amedrontado.

carpe noctemWhere stories live. Discover now